Leros, boleros,
eis as notícias que me chegam quando abro os ouvidos, o coração, e percebo.
Dalva de Oliveira estava certa: o amor é o ridículo da vida
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A sensação, por
qualquer caminho que você vá, é de que alguém abriu os canos de gás e, em
desespero amoroso, desistiu. Leia na minha camisa, leia num muro sujo numa
esquina abandonada da Jardim Botânico: “O amor está foda”.
Leros,
boleros, eis as tantas notícias que me têm chegado quando abro os ouvidos, os olhos,
o coração, e percebo. Dalva de Oliveira estava certa ao cantar que o amor é
bagaceiro, o amor é bandoleiro, é o ridículo da vida.
Essas
divas sabem tudo, elas comeram o pão que o diabo amassou, e é assim que também têm
me passado os dias, assim que me passam os anos, e ninguém aparece para cantar
o bolero contrário. Para dizer fique calmo, essa dor passa. Para garantir que
tu te acostumaste a todas aquelas coisas e a mulher da tua vida um dia te
voltará aos braços. Vestida de noiva ou só de véu ou grinalda, ela voltará. Aos
prantos, com o perfume de gardenia que tinha a boca dela, ela aos prantos
retornará como voltam sempre esses boleros cachorros que agora aparecem por
todos os lados, eternos gritos de perfídia que não me deixam mentir. O amor
está fogo na roupa.
Não
tenho visto ninguém ateando fogo às vestes, ainda, mas ouvi “Contigo aprendi”,
o melhor CD de música brasileira da semana passada, com o MPB-4 apresentando em
voz e violão novas versões para boleros clássicos. Eles também concordam. São
só enganos, desenganos, gente fingindo, negando, enganando até quando, até quando? Caetano Veloso mostra
no disco sua versão para um clássico do gênero, e mais uma vez, aos 70 anos,
põe o dedo nessa ferida que não para de sangrar, que não para de botar corações
fora do peito. O amor não é uma criança esperança. Depois dos versos “Sabe Deus
se tu me amas ou me enganas”, Caetano expõe o que me ia n’alma faz tempo, mas
só o bolero dá ao macho a coragem de chegar em público e abrir o jogo: “O homem
não sabe nunca nada”.
Experimente
ir ao cinema, mergulhar a dor no colesterol de um saco de pipoca salgada, e lá
estará ele, o desgraçado, o amor que bateu a porta na tua cara, o amor que
disse passe bem e até nunca mais. O amor é vício do corno manso. É ele, suas
lágrimas, seus chifres, quem está no filme “Vou rifar meu coração”, o melhor
documentary brasileiro da semana
passada. Uma multidão de abandonados pela sorte amorosa. Alguns, se deixando
chamar pelo brasileiríssimo nome próprio de Corno da Silva, botam a alma na
mesa e escancaram a dor. Vacilaram. Traíram-se. Apaixonaram-se pelo homem
errado, casaram com a mulher sequelada, e agora só lhes cabe chafurdar na lama
torpe da humilhação pública. Eles revelam que as letras do Waldick Soriano, do
Odair José, do Amado Batista, deuses da canção romântica nacional, falam da luz
do abajur lilás que ilumina esses dramas, histórias comuns a todos nós,
capachos onde o amor limpa as botas e depois, orgulhoso, todo pimpão, vai em
frente.
Ninguém
sabe de onde surgiu essa vocação nacional para o sofrimento, em que casa grande
ensolarada, em que senzala da sociologia a dor se transformou em nobreza
romântica, a ponto de precisar ser purgada pelas canções da mesma sina. Quem
desfere tantos tiros no peito dos desiludidos do amor? O diretor Breno Silveira
levou um pé na bunda aos 17 anos e, como a dor tamanha não passa, aos 48 anos
ele conta a partir de sexta, nos cinemas, uma tragédia parecida com a sua.
Breno aliviou a infelicidade com canções de Roberto Carlos — e resolveu exibir
a fórmula. Uma das músicas do filme é a do cara que volta para casa, decidido a
tentar tudo novamente, e é recebido no portão pelo cachorro que lhe sorri
latindo. Quem não chorará? Chutamos, somos chutados. Quem não batererá no peito
os tambores do erro e do arrependimento?
Na
contramão desse infortúnio, mas jogando com as mesmas desditas, Arrigo Barnabé está
lançando DVD com o repertório de Lupicínio Rodrigues. São as histórias de
sempre, mas sem santinhas de pau oco. Aqui, as que abandonam são vagabundas sem
sangue nas veias e sem coração, almas daninhas que praticam o verbo judiar sem
se importer com o politicamente incorreto dele. Tripudiam, sacaneiam, baixam o
nível. Ao contrário dos maravilhosos infelizes da canção brasileira, Lupicínio não
põe o galho dentro. Sofreu a covardia e a ingratidão de todas, e exibe as armas
da vingança. Sem essa de remorso. Gargalha quando os amigos dizem que encontraram
uma das vadias chorando na mesa de um bar. O amor é fogo, é foda, é fuleiro, é
fera ferida, inferno, todas essas palavras em efe, feias, que se puder juntar.
Ninguém
presta quando o amor acaba, e ele acaba mal em todas essas músicas que vocês
acabaram de ouvir nesta rádio-crônica. Sofre-se muito na agenda cultural desta semana,
e o resultado é uma coleção de bons discos e filmes. Só que no caso de
Lupicínio e Arrigo, eles são do sul do país. Numa noite fria, provaram o
chimarrão amargo do pé na bunda, e guardaram rancor. Querem vingança. O título
do DVD é “Caixa de ódio”.
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