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Imagem Steve McGhee |
Anunciaram e garantiram que o
mundo ia se acabar e o Rio, depois de 450 anos como a cidade mais bonita do
mundo, seria agora a mais trágica, varrida do mapa por um ciclone justiceiro,
uma nova espécie de juízo final com ventos de 300 km por hora. Seria um terror
assoprado por um bode com cavanhaque de nuvens negras. Ele a tudo arrastaria
para bem depois da Floresta da Tijuca e a tudo lá deixaria, insepulto,
miseravelmente mais estropiado do que já estava sob o comando dos doutos
municipais.
Ainda não foi dessa vez que o
mundo acabou como em cena de filme catástrofe, mas, olhando em volta, alguém
duvida? A sensação térmica é a de que só se esqueceram de oficializar. O mundo,
pelo menos o que se conhecia como tal, já era faz tempo.
Na tragédia anunciada, depois que
nada mais restasse respirando, os cabeções de Zumbi e Vargas com suas bocas
escancaradas de pavor, tudo seria afogado por uma segunda carga da cavalaria de
horrores. Desta vez uma tempestade traria em seu bojo o acúmulo de toda a água não
despejada nos últimos meses, um vômito de granizo, raios e demais descalabros
climatológicos que a garota do tempo do Jornal Nacional não teria condições de
colocar no vídeo, tamanho o desfile de tsunamis, tornados e redemoinhos
previstos para o nosso ponto final.
Um mundo acaba de muitas
maneiras, com uma temporada de seca, um 7 a 1, um presidente da Petrobras pior
que o anterior, o Eike na miséria. De um jeito ou de outro, este que ora
habitamos, engarrafados no táxi, está nos estertores. Espera-se apenas o susto
decisivo.
Anunciaram e garantiram que desta
vez o fim do mundo viria numa cornucópia bestial de raios com trovões. Eles incidiriam
em toda a fileira de antenas sobre os morros em volta da cidade. Dali,
comandados pela virulência quilowáttica da torre do Sumaré, seriam
retransmitidos, como choque, para os que estivessem com as televisões ligadas
na Globonews, procurando notícias sobre a catadupa final. Este holocausto
climatológico, parecido com o que Rubem Braga previu em “Ai de ti, Copacabana”,
colocaria no comando desta municipalidade pecadora as arraias das águas escuras
e o encrespado furioso das ondas. A tromba d’água levaria Iemanjá e o Capitão
Nemo ao trono do Palácio Laranjeiras.
O mar do Atlântico tomaria as
ruas do Leblon, devolveria na boca de quem de direito toda a sujeira dos sacos
de plástico do Zona Sul e dos sofás jogados no canal da Rua Visconde de
Albuquerque. Suas águas encheriam as garagens subterrâneas dos condomínios da
Barra da Tijuca, transformando-as em aquários imundos, de onde subiriam às
avenidas polvos em polvorosa, gosmentos e violentamente erotizados, abraçando
as últimas virgens sobreviventes ao carnaval de intempéries.
Nada disso houve, na semana
passada, mas mesmo os que sobreviveram ao desacontecimento sabem. Não há o que
comemorar. Se não acabou ainda, o fim é próximo, a inflação galopa a besta do
apocalipse, e o resto pode ficar por conta das multidões se pisoteando no verão
de Ipanema.
Os dias estão contados e a
qualquer momento, sem edição extraordinária, pois é o esperado por todos,
dar-se-á a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar. A natureza se
fará presente e o refluxo ácido de sua bílis contrariada vai passar sobre a
Torre do Rio Sul, os bufês dos chefs estrelados, as alas dos barões famintos, o
bloco dos napoleões retintos e demais agremiações do grande sambódromo de
malfeitos da cidade marcada.
Na última vez que anunciaram o
fim do mundo, Carmen Miranda se desfez da vaidade de seus balangandãs e foi
para as ruas, onde beijou a boca de quem não devia, dançou um samba em trajes
de maiô – mas o tal do mundo não se acabou. Agora, proclamado oficialmente no
Rio, o fim do mundo desmentiu as autoridades, pessoas que numa última exibição
de soberba tentaram prever a chegada furiosa do juízo final, e agora, coitadas,
terão mais um pecado a pagar diante do tribunal de cobras d’água, águas-vivas e
meros saídos das águas empesteadas pelo óleo da Baía.
O fim está próximo, se é que já
não aconteceu, e não serão as sirenes da Defesa Civil, muito menos o prefeito,
que terão a exclusividade de anunciar o dia deste último evento da cidade
turística. Qualquer pessoa que ande na rua ou fique trancada no Facebook sabe,
e não poderá reclamar. Todos os sinais foram dados e por isso será negado o
direito de, diante do juiz supremo, obtemperar que o dilúvio se fez traiçoeiro
ao derramar a lama dos morros sobre cada um de nós. Acabou. Pode ser hoje, se é
que já não foi ontem. Talvez amanhã. Pode ser no domingo de carnaval, quando a
bateria der a sua famosa paradinha – e não tiver tempo de recomeçar.
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