Chega ao fim a viagem pelos becos da Terra Santa
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Foto Joaquim Ferreira dos Santos |
Tomarás banho depois de fazer sexo, não usarás tecidos com fibras mistas, não comerás o fruto de uma árvore plantada há menos de cinco anos e pagarás o salário de um trabalhador a cada cinco dias.
Está tudo no DVD da Bíblia que os senhores têm passando em HD no aparelho colado ao banco à sua frente. Pode servir de roteiro, há também um guia Michelin ao dispor de todos, nesta segunda etapa do tour por Israel que começa agora, promovido pela cerveja Gold Star e pelos cosméticos Ahava, aqueles com o melhor da lama do Mar Morto.
Atravessaremos hoje as muralhas nada sagradas, mas levantadas por questões de segurança, soldados por todos os lados, que separam a cidade palestina de Belém do resto de Israel. São placas de aço com cinco metros de altura em volta da cidade onde Jesus nasceu. Se tivesse vindo ao mundo agora, dela o Messias só poderia sair para ir ali em Cafarnaum e multiplicar os peixes com uma permissão especial do Estado de Israel.
Nas próximas duas horas, a estrela de David que piscava onipresente nos mastros e edifícios de Jerusalém, de onde partiu nosso grupo Papo Firme, dará um tempo e ficará do lado de fora do muro. Da mesma maneira, o guia judeu será substituído por Jorge, colombiano de Barranquila, a terra da Shakira. Ele não consegue explicar muito bem como veio parar aqui, mas avisa que ao sairmos da Igreja da Natividade, erigida em cima da manjedoura de Jesus, venderá pashminas. Um ambulante fará o mesmo com sanduíche de shwarma.
O pecado está solto, as mulheres tentam evitá-lo debaixo das burcas, e à direita do ônibus os senhores podem ver que uma lanchonete violou o sétimo mandamento. Pirateou a rede americana de café e se intitula orgulhosamente Stars and Bucks, com o mesmo padrão visual da americana. Isto aqui é Belém, mais adiante passaremos pelos campos onde os anjos anunciaram aos pastores que o Homem havia chegado. Isso aqui é a Casa do Pão onde David foi ungido por Salomão. Mas, já que o humor é a única blasfêmia absolvida no Juízo Final, esta Belém aqui, ôô, está parecendo mais um Paraguai de Israel.
A chapa fica quente, como se fosse na paraguaia Pedro Juan Caballero, porque o guia discute com o grupo americano que quer furar a fila para entrar na gruta onde Jesus nasceu. Ele chama em sua defesa os dois policiais que, sentados à mão direita do altar, tomam conta do templo grego. Fotografem o bafafá, não previsto em qualquer versículo. É a Terra Santa em versão 2.0, um pot-pourri de religiões e emoções. Dois mil anos depois de Charlton Heston ter se descolado do irmão adotivo Yul Brynner para subir à montanha e trazer os mandamentos, a garrafinha 300ml de águabenta subiu para três dólares.
São histórias que não acabam mais, cada uma delas já tendo tido um filme específico em Hollywood, e agora, cruzando o deserto da Judeia, os senhores podem ver à esquerda do ônibus os agrupamentos de beduínos. Eles não montam mais os cavalos e nem pastam as ovelhas com que contracenavam no cinema, dedicados que estão a tratar de outros negócios menos bíblicos. Adiante, as montanhas de onde Saladino expulsou os cruzados para a Europa. Parece conversa antiga, mas esta semana, na Organização das Nações Unidas e na primeira página do jornal, não se falou de outra geografia. O mundo moderno começou aqui.
Jesus nasceu em Belém, foi para o Egito, voltou para Nazaré e antes de entrar em Jerusalém andou onde estamos. Este é o Monte das Beatitudes, cenário do Sermão da Montanha, aquele do “Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles será o reino dos céus” e outras frases geniais, sem copyright, é só pegar, que estão gravadas em pedras espalhadas por todo o jardim. Ao fundo, mais uma igreja desenhada pelo arquiteto Antonio Barluzzi, espécie de Niemeyer local, tamanha a quantidade de templos que criou, mas todos com fé não marxista, em Israel.
O Papa Bento XVI esteve aqui no Templo das Beatitudes e deixou a veste emoldurada na parede. Dá boas fotos. Ao lado, num nonsense evangélico, uma placa de “out”. Sorria. Deus autoriza. Desta terra mana leite, mel e ágape.
De Jerusalém, vocês levarão nas retinas a cor das pedras que tomam todas as fachadas recentes, misturam-se ao mesmo tom das muralhas antigas e, vistas assim do alto, aqui do Monte das Oliveiras, transformam tudo ao redor num dos cenários mais bonitos do mapa turístico internacional.
Aos homens casados, sugere-se que os votos matrimoniais sejam reforçados na igreja das bodas em Kana de Galileia. É aquela em que, durante o casamento, faltou vinho, mas Jesus pegou da água e deu um jeito. Faça uma doação para a igreja e, com direito a padre e ave-maria, case-se de novo com a patroa.
Você vai precisar de todas as bênçãos do mundo para, ao fim do tour — é chegada a hora de cantar “Hava naguila” com os olhos embaçados —, cruzar a segurança do Aeroporto Ben Gurion. Os que porventura se chamarem Joaquim serão olhados com desconfiança e colocados numa fila à parte quando não souberem explicar o significado do próprio nome. O CD do Roberto Carlos será aberto para ver se não carrega uma bomba. Vale a pena. Você carregou a cruz na Via Dolorosa e sabe. Dor alguma é pequena.
À direita, antes que se façam as malas, desça à gruta da Igreja da Anunciação, também assinada por Barluzzi. Aqui o Verbo de Deus se fez carne, habitou entre nós, e o mundo começou sua crônica divina para que um dia outro, respeitosamente, terminasse a sua, amém.
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