Israel

                    Uma viagem que não está na Bíblia, no Torá ou no Corão

Imgs da Internet
*veja a continuação dessa viagem aqui

As moças devem manter os ombros cobertos, e os rapazes, suas bermudas abaixo dos joelhos, porque vai começar, segure firme no cajado do peregrino, a Viagem Mágico-Miraculosa pelos pagodes da Terra Santa. Tem sinagoga, igreja católica e mesquita a dar com o pau. Há cruzes de madeira para quem quiser bancar o Cristo na Via Dolorosa, folha de papel para enterrar mensagem entre as pedras do Muro das Lamentações. Como ninguém é de ferro, será oferecido narguilé com pipoca para curtir uma onda noturna com a garotada ao redor da Jaffa Street.
Tem viagem para todos os credos, descredos e cruz-credos.
No sétimo dia, que pode ser no sábado ou no domingo, dependendo do lado que você estiver das arquibancadas do Jardim das Oliveiras, o tour descerá ao Mar Morto. Todos andarão sobre as águas e besuntarão o rosto de lama ainda não industrializada pelos cosméticos da Ahava. Pede-se confirmar por e-mail se a processo foi miraculoso. Os poderes da alta salinidade congelariam o viço da cara, a quem tem fé e nenhum nojinho de se empaçocar de lama, nos eternos 33 anos bíblicos.
É viagem cercada de milagres por todos os cantos. Ficaremos de vigília por 15 minutos diante do portão fechado na muralha da Cidade Velha, pois está previsto nos textos sacros que a qualquer momento eles vão se abrir para a entrada do Messias. Pode ser que o nosso grupo Papo Firme tenha sorte. Esteja com a Canon G12 no foco automático para registrar o flagrante e colocar no YouTube, embora os espantos do sobrenatural moderno sejam mais garantidos na forma de um prato regado de ervas no restaurante Eucalyptos, do chef Moshe Basson. Fica ao lado da Piscina do Sultão. Moshe releu a cozinha servida na Bíblia, misturou com as fumaças contemporâneas, e o resultado é uma oração de carneiros, hortelãs, figos e berinjelas. Deus disse à revista Gula de Tel-Aviv: “Haja sabor!” — e assim foi feito.
Não será seguido o roteiro que está no Torá, muito menos o da Bíblia ou o do Corão. Está prevista uma parada no Mahane Yehuda Market, para degustar azeitonas com azeite, e outra numa loja especializada em vender roupas do exército israelense. O guia avisa que a qualquer momento precisará esticar as pernas no portão de Damasco, entrar no mercado árabe e tomar um arak. Não se responsabiliza pelas informações que prestará no caminho.
Vamos passear por Nazaré, Cana da Galileia, o Monte das Beatitudes e outros locais da santa cena. Pode ser que na confusão bêbada das histórias a Casa de Pedro, em Cafarnaum, apareça ao lado do shopping center religioso, crucifixos de todos os tipos, que um carioca administra no Rio Jordão. Ali a fé custa US$ 10 a quem alugar batas com a cara do Cristo para entrar no rio, se misturar às lontras nativas e receber nas águas o batismo na mesma forma que João descreveu no seu blog, digo, nas páginas a escritura sagrada. O pagamento inclui pacote de brindes, entre eles um certificado que confirma o batismo.
Esta excursão, patrocinada pela cerveja Gold Star, a melhor de Israel, avisa aos seus passageiros que em Jerusalém é quase tudo verdade, é quase tudo revestido de pedra e de imaginação. A fé é o grande guia turístico. Na mesquita da cúpula dourada, Maomé subiu à pedra e dali alçou-se aos céus. Duzentos metros adiante, no terceiro dia depois de morto, Jesus saiu do Santo Sepulcro e também subiu aos ares. Acredite, se quiser. Não devolvemos o dinheiro a quem contrapuser a ciência aos desígnios das escrituras sagradas, mas boas histórias, acampamentos beduínos pelo deserto da Galileia e lojinhas de kebabs vão se multiplicar por todos os lados. Vale a pena. A quem encontrar a bacia de Pilatos será dado um bônus. São mais de dois mil anos daquilo que uma escola de samba chamaria de divinais poderes da criação.
Foi aqui,no Monte da Bem-Aventurança, que Cristo multiplicou os pães. Mais adiante, em Cafarnaum, continuou operando leprosos, cegos, o que aparecesse na pauta do dia. O Salvador dos católicos curou também a sogra de Pedro e este, dirá o guia, teria ficado aborrecido com a atitude de quem até então considerava amigo. Quando esta informação for dada, haverá um segundo de pasmo entre os passageiros — e só depois o guia, morrendo de rir, dirá que era piada.
             A Terra é Santa, o calor é dos infernos, e, no meio de tantos altares, haverá quem peça três vezes uma igreja para São Carrier, o inventor do ar-refrigerado, a quem dedicamos a possibilidade de este ônibus ir em frente, porque atrás vem camelo, gente e míssil quente.   
Você vai ver, do lado esquerdo, Madalena caindo na vida ao largar o marido para fugir com o soldado Pantera. Se olhar rápido para a direita, ainda terá tempo de assistir ao momento em que Davi manda à frente de batalha o marido da mulher em quem estava de olho. Tem mais traição e gancho dramatúrgico do que a novela das nove, mas para curtir melhor é preciso ter lido as bíblias ou visto os horários pagos da programação evangélica.
Nazaré, por exemplo, ri de si mesma. Foi a cidade onde Jesus passou a infância e acabou desdenhada por Natanael, que ao ouvir os bochichos de que era a aldeia do Messias disse ser impossível vir “alguma coisa boa” dali. Pois uma compra que a turistada adora fazer na cidade, outros US$ 10, é a camiseta onde está escrito “Eu vim de Nazaré”.
Prove do falafel no fundo do ônibus e não se preocupe com o resto. Quando acabar a bebida, pegue um copo d’água e encha de fé, porque dali sairá o vinho para o resto da viagem. Na próxima cidade trocaremos de guia para entrar na palestina Belém. Será um muçulmano nascido na colombiana Barranquila, terra da Shakira, e ele explicará a manjedoura de Cristo, venderá dezenas de pashminas a turistas brasileiros e, com a ajuda da polícia grega — não perca este capítulo —, enfrentará a praga, pior que a dos gafanhotos do Egito, dos grupos americanos furando fila na igreja da Natividade.

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Na próxima semana, antes de continuar a viagem por Israel, virá, enfim, o último capítulo de
“Café na calçada”, um folhetim no Leblon.

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O colunista viajou a convite da produção do Projeto Emoções em Jerusalém.

Comentários

  1. Joaquim Ferreira dos Santos, gostaria de enviar-lhe um recorte do jornal Diário de Pernambuco anunciando um show que Leila Diniz fez aqui no Recife, em 1961. Qual o endereço? O meu: paulogon2@gmail.com

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