Da caixa postal

O casal de morféticos, Prestes escondido na rua de  armários e a curiosa marchinha do Marabu


De Tutty Vasques, do Encantado: “Vocênão era de Vaz Lobo, cacilda? Me lembrou uns colegas do Engenho Novo que diziam morar no Grajaú!” •Tutty, eu segui acampamentos ciganos e deles conservo no sorriso da frente um canino de ouro. Fui também da trupe do palhaço Olimecha, com quem aprendi a jogar as bolinhas do palavreado para o alto e apanhá-las em seguida com o chapéu, antes de se espatifarem na frase. Se eu fosse uma música, seria “Moro onde não mora ninguém”. Mas, se um dia eu virar música, me poupe da má fama, e não conta para a rapaziada de Braz de Pina.

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De Edmilson Oliveira da Silva, do Engenho da Rainha: “Eu pegava o 901 para passar os finais de semana em Braz de Pina, com direito a linha de passe na calçada do 335 da Rua Timboim,
brincadeira interrompida apenas para que alguém passasse. Tinha o hi-fi no terraço, a turma embalada ao som dos LPs importados pelo pessoal de Marinha e executados em um 3 em 1 da Grundig.” • Edmilson, eu só acredito na pacificação da Penha no dia em que a molecada estiver jogando pelada na rua e alguém gritar de novo o mantra de “para a bola pra moça passar”. A moça deve fazer sua parte. Apressar o passo, enrubescida, e agradecer entredentes, os olhos baixos, sempre segurando o farfalhar de saia, anágua e combinação.
Essa é a lição civilizatória do subúrbio para o mundo.

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De Jorge Martins Leite, da Penha: “Foi no Cine Carmoli que eu conheci minha esposa e foi no Cine São Pedro que lhe dei o primeiro beijo. Ela frequentava o Melo Tênis Clube, onde foi Rainha da Primavera. Estamos juntos há 50 anos, sou feliz e agradeço aos dois cinemas da
Penha essa minha felicidade.” • Jorge, a infelicidade conjugal moderna reside no fato de que o número de espectadores nos cinemas diminui na mesma proporção em que aumenta o número de frequentadores das sessões de terapia de casal. Cinema é aquilo que você tão bem narrou. Um lugar para beijar e aproximar as almas gêmeas na sofreguidão malsã da sala escura. O resto é Godard.

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De Paulo Felippe Agostinho, de Inhaúma: “Lembro que no bonde, perto do reclame do Rum Creosotado, podia se ler: ‘Cada passagem será registrada à vista do passageiro, permitindo-
se apenas, para facilitar a cobrança, registrar- se o total por banco’.” • Paulo, os textos dos bondes eram muito longos, eivados de vírgulas. Somados aos do Mario Palmério que a professora me exigia, atrasaram em anos a chegada do Dalton Trevisan e do Ivan Lessa aos colégios da região. Tudo era passageiro, só o texto não era ligeiro.

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De Áurea Meireles, de Quintino: “Você ouviu falar nos ‘capas pretas’? Diziam ser um casal de
morféticos que entrava nas casas pelas janelas abertas nas noites quentes para morder os moradores com a intenção de contaminá-los. Eu tinha 4 anos, cheguei a ver um capa preta estido feito um Zorro, rosto coberto. Os moradores andavam pelas ruas em grupos e armados de porretes.” • Áurea, você tem certeza que isso não foi um capítulo do “Incrível, fantástico, extraordinário” que o Almirante apresentava na Rádio Tupi?

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De Sonia Azevedo, de Del Castilho: “Você não falou dos bailes de carnaval do Clube Marabu, na Piedade. Tinha até um hino próprio para a ocasião. Era assim: ‘Marabuense, marabuense/
Carnavalesco não há como tu/ Traga a família, os seus amigos/ Venha brincar o carnaval do Marabu’. Se quiser, mando fotos de um grupo de amigos que vestia fantasias iguais.” • Sonia, música de carnaval com rima para “bu” e “tu” não dá boa coisa no final. O ano mal se inicia,  amos com calma. Oremos pela tradição de Reis. Deixa as fotos da família Marabu para depois que se apagarem as luzes da árvore da Lagoa.

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De José Jacy, da Penha: “Tinha um bicheiro que sempre chorava na apresentação do coral do jardim de infância da escola Ariosto Espinheiro. Meu pai teve o relógio roubado no parque Ary Barroso. Brinquei no Shanghai, mas menos do que eu queria.” • Não chore, José, o relógio do seu pai não volta mais, as lágrimas do bicheiro secaram, mas o parque você reabre quando  quiser. Foi no alto-falante do Shanghai que eu ouvi o Sinatra cantando “morre melhor quem morre com mais brinquedos”. Os brinquedos mudam, José, reinventa a tua montanha- russa. A minha é essa aqui.

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De Ana Gloria Monteiro, do Méier: “A prisão de Prestes e Olga Benário foi na Rua Honório, a rua dos móveis, do Cachambi. A de Irajá é a Honório de Almeida.” • Ana, tem muito Zé na Paraíba e Honório aos montes no subúrbio de Honório Gurgel. Sobre o fato de o Cavaleiro
da Esperança ter sido preso escondido numa rua de armários, isso será revisto com todo o rigor dialético pelo governo empossado

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