Vida real


O primeiro dia útil no casamento dos príncipes

Kate e William, meus príncipes, eu sei que vocês gostam de uma fantasia poética, jovens educados que foram aos melhores bardos da tradição inglesa, mas hoje é o primeiro dia útil do resto de suas vidas. Hoje não tem Shakespeare, não tem beijo na sacada. Restou a lista de compras para pedir no Kicarnes e o iniciar baixinho daquela estranha sensação de não perguntar para o outro se nós fizemos mesmo a coisa certa.
Passem um Perfex na alma, lustrem o sorriso com um Veja Multiuso e arrumem a casa para o futuro, que ele a Deus pertence. Escrevama frase no frontispício do lar, doce lar. Desmintam pela assessoria aquela outra frase do Francis Bacon, de que todo homem se percebe dez anos mais velho no primeiro dia do casamento — e, antes que os boatos comecem, apareçam na janela para um novo beijo de confirmação de votos. A propósito, incluir bacon na lista do açougue.
Incluir também, na lista de juras mútuas, a de fazer sexo três vezes por semana até o fim dos tempos — mas cuidado para não enviar as listas para os destinatários errados. Malhar glúteos, ela, malhar bíceps, ele, manter a chama do fogão sempre acesa, os dois. Cuidado para não queimar a torrada, e os tabloides confundirem a fumaça como uma tentativa, já no primeiro dia, de um dos dois estar botando fogo no apartamento.
Eu quero ajudar e venho aqui, por meio desta, jogar meu grão de arroz lusitanamente prático sobre o casamento de vocês. Amar é uma coisa, casar pode ter sido avançar muito o meio de campo. Tarde demais. Hoje é a primeira segunda-feira de casamento, e a música que está tocando não é mais a da entrada na abadia de Westminster, mas a da bica da cozinha que não para de pingar. Chamem o Elton John e peçam, com a goteira afinada em lá, uma balada suave sobre o medo do homem na hora de escolher o lado da cama em que viverá o drama de seus próximos anos.
É casamento, a geladeira está vazia, o cerimonial esqueceu de ligar o gás, e alguém precisa providênciar para que saia da cabeça aquela frase da solidão compartilhada. Colocar no ímã da geladeira: o condomínio vence dia 5 e a frase “o amor é como um raio”. Hoje a princesa vira patroa, e ele vira um slogan, a ser debochado na primeira briga, de que “Príncipe veste hoje o homem de amanhã”.
Estamos no dia em que a realeza é esquecida e tudo se transforma na vida real em estado bruto, e eu espero, sinceramente, que ontem à noite um de vocês tenha se lembrado de comprar o pão, pois a imprensa está toda lá embaixo e seria desabonador para o estilo da realeza começar a semana sendo fotografado na padaria com aquele moleton azul-triste de dormir e a camiseta-sorriso de um político da campanha de 2007.
Hoje é o primeiro dia útil do casamento do século, a empregada não chegou e nunca haverá a certeza de que chegará, pois ou o filho contraiu dengue no fim de semana ou o temporal inundou tudo em volta de casa. Amanhã, ela vem. Casar é pensar positivo, espalhar. Bom-Ar lavanda para abafar o mau cheiro da decepção e torcer para que o coração, a próstata e a válvula do banheiro funcionem.
Ah, comprar Pinho Sol limão para passar sobre a inevitável sombra do adultério. Terça-feira tem ovos orgânicos na feira da praça. Comprar Toddy, matar o tédio, dormir de conchinha. Eu espero que a ordem natural da felicidade conjugal se imponha, e a assinatura do jornal de vocês já esteja na soleira da porta, ou então alguém precisa ligar para a portaria e perguntar o que acontece que esse entregador não chega nunca.
Sobre o capítulo banheiro, quero lembrar que houve um colunista social no Brasil, chamado Ibrahim Sued, um sujeito de pouco brilho literário mas muito objetivo na hora de passar suas informações ao público. Tinha zero de firula, dez de faro. Quando a filha casou, ele me disse que deu como único conselho à moça o de ir ao banheiro sempre com a porta fechada. O parceiro não precisa ver nem sentir tudo, ele dizia, com aquele jeito ao mesmo tempo “cafa” e inocente. Coração aberto, portas fechadas. Acreditava, piamente, que casamento começa no quarto, mas acaba no banheiro — e, já que estamos aqui, decidam-se logo para que lado, se para cima ou para baixo, vai rolar o papel higiênico.
Os homens em geral preferem que ele role para cima, porque uma parte das atividades que eles realizam ali é feita em pé, já as mulheres, pelos mesmos motivos, só que sentadas, preferem que o papel higiênico deslize para baixo do rolo. Casar é entrar nessas minúcias. Maus modos na cama, bons modos no banheiro, e salva-se o casamento, poderia dizer o Ibrahim, se manejasse tantas vírgulas.
Por favor, vejam se o protocolo da monarquia diz algo a respeito, para evitar que os tabloides, sempre eles, descubram irregulariedades na escolha do papel higiênico e tracem paralelo com a história do Príncipe Charles querendo ser o OB da amante. Ah, sim, comprar sabonete da L’Occitane para dar um quique na rotina e abonar o mal-entendido.
É hora de desligar a luz do corredor, William, porque ela pode estar invadindo o quarto, e Kate, segundo a “Vogue”, acorda com qualquer fresta de luz que avance pelo aposento.Homens vão ao banheiro à noite, use pantufas. Deslize até o vaso sanitário e alivie as cervejas de ontem à noite no pub, mas em silêncio. Nada de exibicionismos às custas das águas. Você é príncipe, último bastião do cavalheirismo. Lave as mãos.
Evitem a mútua incompreensão dos casamentos reais, compartilhem o controle remoto e acendam um Durmabem contra os mosquitos da dengue. Sempre que o príncipe cruzar com princesa na cozinha, está obrigado pelo cerimonial da boa causa conjugal a apalpá-la comênfase para sinalizar o que está no ímã da geladeira, “o amor é como um raio”, e que assim continuará sendo — por maiores que sejam a infiltração no teto e o aumento do condomínio — até o fim do reinado.

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