Caixa postal

                                      Colunista recusa convites para andar de táxi à meia-noite

Ilustração de Claúdio Duarte


De Luis Marcos Torres: “Será que dá para pegar um táxi e escrever sobre o Cassino da Urca, nos anos 40? Se for possível, peço fazer referência à barca que levava os artistas para o show no Cassino de Icaraí.”
Luis, parei com esse negócio de pegar táxi à meia-noite, com motoristas que fumam e que no final da corrida não dão recibo para eu cobrar do jornal. Outro dia, entrei no táxi no momento em que soavam as 12 badaladas anunciando o programa do Chico Alves na Rádio Nacional e fui parar na boate Vogue, em Copacabana. Quando dei por mim, estava pulando pela janela para escapar daquele maldito incêndio. Era o que faltava. Só volto ao cinema para ver o 3D do repórter Tintim e sua lição de que jornalismo é ter topete e esfregar o Gumex na cara da fonte. O resto não passa de gôndola de promoção
dos Supermercados Guanabara.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Sônia Maria Passos Ferreira, de Vila Valqueire: “Lendo a sua coluna me deparei com o nome do cigarro que meu pai fumava , o Liberty Ovais, e fiquei nostálgica.”
Sônia, teve um leitor que passou os olhos pelo trecho do carrilhão da Mesbla batendo à meia-noite e se lembrou da banana split que comia na lanchonete do prédio, ao meio-dia, com a primeira namorada. Crônica é para isso. Uma baforada de cigarro, uma dentada no sorvete, e pronto. O leitor imediatamente embarca no táxi e vai aonde quiser.
São viagens curtas ao preço de R$ 2,50 na banca ou R$ 10 na assinatura digital. Mas, se o Xexéo não vê mais novela, eu também não ando mais de táxi. Se continuasse com essa história, corria o risco de ouvir as 12 badaladas musicais do Edifício Rio Branco 1, entrar num táxi, e um sujeito de unhas enormes, fumando charuto, levar- me para o meio de uma cena, aranhas cabeludas por todos os lados, de “À meia-noite encarnarei
em tuas carnes”.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Francisco Daudt, do Cosme Velho: “Como modesto inventor de uma máquina inexistente, o aparelho humildificador, discordo que a tal caixa de comentários é o humildificador digital. Pelo contrário. Trata-se de aparelho que deseja estraçalhar
o meu. Enquanto este é gentil, a caixa de comentário destila ódio e inveja, acobertada pelo anonimato pusilânime, causando não a humildade necessária para o bom convívio, mas a indignação (na melhor das hipóteses) e a depressão melancólica (na pior). Nelson Rodrigues tinha razão: os idiotas perderam a modéstia.”
Daudt, quem sou eu para dizer que é uma a máquina que você inventou como outra. Humildificadora ou pusilânime, eu me genuflexo diariamente em frente à máquina de fazer doido que é um terminal de texto. São crases que me cospem desaforos, pronomes que me dão uma pedalada, e regências que juntam os dois dedos, como se formassem um bambolê daqueles que eu vi com a Adalgisa Colombo, e me dizem "Aqui, del rey".
Humildade, aqui jazo eu.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Roberto Fuchs, da Glória: “Só faltou mesmo o Hydrolitol, que ficava numa lojinha em frente à virada dos bondes, no Largo da Lapa, ou o Cinema Colonial, pulgueiro que hoje é a Sala Cecília Meireles.Se forçarmos a memória, nem é preciso esperar o táxi da meia-noite para se voltar no tempo e sentir o cheiro da fumaça do charuto de Villa-Lobos.”
Roberto, o bom da crônica é que ela não deve forçar a cabeça nem de quem escreve e nem de quem lê. Meus mestres são o já citado Tintim, pelo seu topete idiossincrático, e o flanelinha de rua com seu reichiano “Deixa solto, doutor”. A viagem por Ipanema deveria ter exalado um quê de patchouli, a de Copacabana, um perfume de gardênia. Na Lapa, onde você sentiu a fumaça do Villa-Lobos, outro leitor percebeu um bafo com notas amadeiradas de conhaque.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Humberto Freire: “Você ficou devendo uma homenagem aos garçons históricos de Ipanema nos anos 60. No Jangadeiro, tinha o Chiquinho e o Vavá, que recebeu até um prato com o nome dele. Penduravam contas, serviam choro e aturavam a turma nos momentos de solidão.”
Humberto, numa dessas viagens de táxi, eu cruzei com um garçom fechando o bar (não sei mais se o Capela, o Gôndola ou o Mau Cheiro). Ele recolhia celulares, guarda-chuvas, canetas Bics, e ia fazendo aquele “tsk, tsk” dos quadrinhos, enquanto comentava comigo: “Coitados, eles bebem para esquecerem”. Achei graça daquela sabedoria freudiana e da gramática adonirianabarbosa. Garçons são grandes vítimas de uma História do Brasil mal escrita, mas tenho certeza que no próximo livro do Eduardo Bueno isso será corrigido.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Marcelo Dunlop: “Tomaste quantas Cascatinhas estupidamente geladas nesta balada da Lapa após as 12 badaladas? Ouviste do chofer elogios ao Yustrich, o guarda-metas do Flamengo? Helio Gracie ainda não lutara com Kimura, diante do presidente Café Filho, nem botara para dormir Azevedo Maia, em dois minutos de peleja dentro da redação do “Diário Carioca”, mas tu viste a repercussão da luta de 100 minutos dele contra Yassuti Ono?”
Marcelo, tudo que um cronista não quer é mandar notícia. Eu viajava de táxi à meianoite apenas para dar uma volta no quarteirão da página. Tudo que posso dizer é que tomei uma cerveja Black Princess e um guaraná Princesa enquanto comia um pastel de carne moída no Adão. Ao fundo, o Antonio Cordeiro dizia no “Mundo da Bola” que o ataque rubro-negro de Joel, Moacir, Henrique, Dida e Babá tinha enchido de bolas o guarda-valas do Canto do Rio. Desculpe se te decepcionei.

■ ■ ■ ■ ■ ■

De Paulo Zobaran: “Se você entrar de novo no táxi DKW-Vemag, não deixe de passar lá no Calypso. Mas não faça ar de surpresa por eu estar bebendo chope, é que o garçon faz vista grossa e não me pergunta a idade.”
Zobaran, parei com isso. O jornal paga R$ 50 a lauda, e o risco não compensava mais. Teve uma noite em que saí do cinema, peguei um táxi no justo momento em que soavam as 12 badaladas da meia-noite no sino da Igreja de São Judas Tadeu, no Cosme Velho. O motorista fumava uma erva do norte e me deixou na comunidade dos Novos Baianos em Jacarepaguá, ali perto do Colégio Brigadeiro Schorcht, na esquina dos anos 70. É mole? Táxi, agora, só ao futuro. Com as UPPs, ficou mais seguro escrever sobre o Rio hodierno, se é que você me permite encerrar assim este bafo-bafo semântico.

Comentários