Aonde os paparazzi não vão

              Cronista continua caminhando pela cidade e agora mergulha na Praia de Ramos




A princesinha do mar vai a outra praia, e a garota de Ipanema, àquela mais longe ainda, depois da curva do forte. À Praia de Ramos vão outros padrões de beleza, curvas femininas desenhadas não exatamente com o compasso da moda, mas curvas fartas, suculentas, rabadas com agrião, pedindo para serem apertadas e exibidas com orgulho pela mulher que olha a câmera e parece dizer “tem quem goste”.
Aqui não há hierarquia deflagrada entre o que é bacana e o que é cafona, todos os conceitos misturados numa única vontade de viver a vida e levar um caldo para espantar o calor. Aqui é o vale-tudo, a cornucópia adoidada dos prazeres ainda não normatizados pelo Choque de Ordem e pela caretice longínqua dos que vivem sob os olhares da prefeitura e dos turistas de todos os quadrantes. Aqui só vêm os nativos, e todos falam a mesma língua, os mesmos sinais de que, preto ou branco, gordo ou magro, o  importante não é sair bem na foto, mas sentir o sol na pele, beber uns gorós, tentar a sorte com alguém e chutar o tempo para longe.
Estamos na Praia de Ramos, com um único coqueirinho dando sombra, e o resto é aquela disposição de sol de deserto, o clichê solto da canícula africana e a delícia de aproveitar a brasa, passar um creme branco na pele e descolorir os pelos do corpo para, se Deus quiser, aquela pessoa especial olhar e dizer “ficou maneiro”.
Viva o paraíso sem Photoshop, da barriga estufada de chope, da bicicleta sem marcha, do sujeito enfarofado e do biquíni usado desde o verão do início do milênio. Aqui é o bicho solto, o vale o que está escrito e o ninguém tem nada a ver com isso.
Os fortões levantam peso com halteres improvisados e, depois, desgastados pelo exercício físico, recuperam as energias com um prato cheio, a mistureba na qual se percebem uns nacos de cebola, uma carne de gato, uma farofa de formiga, um tomate, e o resto é improvisação gastronômica de um chef que não tem nada a declarar sobre o Cordon Bleu. Ele é Flamengo, tem uma nega chamada Teresa, e essa deusa é justamente aquela ali, de bunda mais arredondada, a cachorra funkeira defio-dental bem entrado nas partes, e conversando com o cara de sunga branca.
Esta é a Praia de Ramos, frequentada por normalistas do Carmela Dutra, bicheiros do Complexo do Alemão, pagodeiros do Cacique de Ramos, reservas do Olaria, batuqueiros do AfroReggae, motoristas do 355, camelôs gritando “na minha mão, é mais barato” e toda a galera do subúrbio carioca. É a única praia da cidade de onde não se vê o Corcovado, o Redentor, que lindo! No máximo, logo em frente, está a Igreja de Nossa Senhora da Penha e, mesmo sabendo que os banhistas preferem a guarda de Iemanjá, a todos ela abençoa e esparge gotas de fé, a única água limpa da área.
É a Praia de Ramos dos sambas de Dicró, onde o GPS está indicando que fica logo atrás do ponto de ônibus, da passarela de pedestres e da carrocinha de pipoca, o balneário sem pose onde os códigos de comportamento, de in e out, não foram decididos na reunião de anteontem na editoria de moda de alguma revista descolada. É praia sem patrocínio, sem aviãozinho passando com mensagem romântica para a gatinha e sem jet ski enchendo o saco de quem quer dar um mergulho para tirar a areia e o zonzo da caipirinha.
Isso aqui é trópico em estado bruto, a terra em transe de que não falou Glauber, a areia suja que continua na Avenida Brasil e não há truque de laboratório que retoque. É tudo como está nas fotos. Sem talco jogado na lente para suavizar o mundo, pois glamour é o das carnes marcadas pela vida e a disposição de ser feliz de qualquer jeito. A vida sem retoques, sem bloqueador solar ou guarda-sol alugado.
Fique à vontade e mergulhe de barriga. Enfarofe-se na areia, encha de ar a boia de pneu e deixe correr frouxo, porque ninguém está vendo. Os paparazzi da “Caras” estão em praias alhures, à espreita do primeiro beijo da atriz das sete com o novo namorado desta semana. Aqui é churrasquinho de gato, camarão no espeto e seja o que Deus quiser. Benza- se três vezes antes de cair na água. Você está na grande novela da vida real, onde ninguém tira onda porque onda simplesmente não há.

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