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                                          Israel, o jornalismo, o amor que acaba....

Foto Joaquim Ferreira dos Santos


De Beth Langer: “Sem ofensa, achei sua crônica com alma feminina.”• Beth, eu tenho tratado minha alma feminina com os melhores cremes da Victoria’s Secret. De noite, quando deitamos, canto aquela lullaby que encerra o álbum branco dos Beatles e diz “close your eyes and I’ll close mine, good night, sleep tight”. Em troca, minha alma feminina conta histórias que aconteceram com ela e que um homem não teria sensibilidade de perceber. Publico esses suspiros, quase sempre pequenos dramas amorosos, de almas jamais comprendidas, num grande jornal da capital. Pode parecer mercenário, mas vivemos bem assim. De vez em quando a levo para passar um fim de semana de frente para o mar no Fasano, mergulhamos de mãos dadas na piscina, e não começo a escrever nada sem que a gente se beije por muito tempo na boca dos parágrafos. Tem dado certo — se é, Beth, que estamos falando da mesma coisa.

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De Mario Chimanovitch: “Fiquei emocionado com o perfil do José Meirelles. Vi-me ao lado de repórteres do calibre de Valério Meinel, de um Hélio Contreiras, de um Amado Ribeiro, de um Pena Branca. Continue com esse resgate.” • Mario, essa turma é da pesada, e a ela eu poderia juntar ainda Zé Grande, Carlos Rangel, José Roberto Alencar, Albeniza Garcia, Luciano de Moraes, Oldemário Touguinhó, Ghioldi Jacinto, esses ratos de redação que eu imagino, bloquinhos de anotação em punho, sentados à mão direita de quem estiver na chefia de suas redações, aqui ou na editoria lá de cima. Tinham alma, histórias para contar. Outro dia, participei de uma cobertura e o repórter mais admirado não o era por escrever como um Geraldo Mayrink, nem pela determinação de apurar cada detalhe, como uma Daniela Pinheiro. O repórter era fodão porque detentor da “placa Vivo”. A geringonça deixava que ele transmitisse a matéria antes dos outros. O texto? A apuração? Ora, ora. A tecnologia é a estrela da reportagem pós-moderna.

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De Thiago Franco Correa: “Diferentemente do seu patrício da dobrada à moda do Porto, dos ovos quebrados você fez uma omelete. Depois de ler o matutino, sua ex-amada vai lamentar tê-lo trocado pelo waffle morno servido num café do Leblon. Se ainda tiver coração, ela não vai usar o jornal de hoje para embrulhar o peixe de amanhã.” • Thiago, a última dobrada à moda do Porto que comi foi no Penafiel, fechado há cinco anos na Av. Passos. As ex-amadas, pelo menos as que assombram as calçadas de minha vida mal-assombrada, não usam o jornal de hoje para embrulhar o peixe de amanhã. Elas leem tudo no iPad, que não embrulha nada, mas dá bom reflexo para acertar a maquiagem. Não critico, só constato. O importante é ainda ter gente lendo jornal. O mundo mudou muito, Thiago, mas no fundo elas continuam as mesmas. Já ouço uma telefonando para perguntar que patrício é esse que dos ovos quebrados faz omelete e ela nunca conheceu enquanto estávamos juntos.

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De Helena de Farias B. Macedo: “Profundamente lamentáveis os termos do artigo de V.Sa. sobre Israel. Pior ainda as ridicularizações e piadas de péssimo gosto, servindo-se de trechos bíblicos, para engendrar comparações desrespeitando as imagens de Maomé, Jesus Cristo, Pedro etc. Se foi o caso de uma tentativa de imitação do ‘estilo Agamenon’, é mais lamentável ainda.” • Helena, isso aqui não é um templo de louvor a Pedro, mas a Paulo, mais exatamente o apóstolo Paulo Mendes Campos, de quem tento também emular o estilo, junto com o do assaz citado Agamenon. A todos os santos da crônica — não me refiro ao bairro, pois já dito está, num versículo passado, que sou da Penha — presto minhas obrigações de humor, vírgulas cheias de flores e o primeiro gole no canto do balcão. Sou-lhes grato e humilde. Gosto, a propósito, de ver Deus no Gênesis trabalhando duro para construir o mundo ao seu jeito. Faz os mares, as montanhas, os animais, e ao fim do dia dá uma olhada no lavor e, na boa, nem aí para os que no futuro dirão que há controvérsias, Ele considera que ficou tudo muito bom. Cronistas também trabalham duro para criar seus mundos e, alheios à tempestade de e-mails que vão chegar, cumprem a mesma ordem de Deus a Noé — tocam o barco. Não são senhores de nada para carimbarem um “tudo muito bom” supremo. Fique à vontade, Helena, para dizer o contrário.

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De Ana Maria Guimarães: “Por que tanto deboche com a cultura milenar das religiões. Cuidado com o que escreve.” • Ana, ameaças não calam fundo no coração de jornalistas. Funcionam como bênção do Rio Jordão. Vivemos essas águas. Vou ser sincero. Eu temo embalagens de plástico duro, apitos dos guardas nas esquinas, taxas de glicose, motoristas de táxis que dirigem vendo DVD, vento encanado, prazo de fechamento, celular tocando no meio da madrugada, sistema que saiu do ar, documento que cai em exigência e beijo de boca fina. Escrever, quanto menos cuidado, melhor.

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De Clívia Bulhões Pena: “Como pode uma pessoa saber tanto sobre mim? Como pode você descrever exatamente o que passei num café da manhã no Leblon. Emoções, animais furiosos, facas, enfim. Passaram-se meses e eu ainda sinto na boca o ranço da manteiga Aviação!” • Clívia, no desespero do amor que acaba num café de calçada do Leblon, eu pensei
até em processar por propaganda enganosa uma marca de manteiga que estava à mesa. Na televisão, ela era anunciada por um casal todo de branco, num apartamento mais branco ainda, e que se envolve lânguido, dentes branquíssimos, numa cortina de cor etérea assoprada pelo vento da primavera. Vendiam felicidade, comprei abandono. O advogado me fez deixar para lá. O amor acaba, disse. A manteiga não tem culpa. 

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