Chico e Adriana

                                           Depois do Rock in Rio, o melhor da MPB

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O amor é isso que você está vendo, velho Chico, às vezes chega tarde e chega muito jovem, mas dele nada se escolhe e nem se deve fazer objeções estéticas quando vem com os cabelos cor de laranja. O importante é que ele se fez presente aos 67 anos de idade, subiu até o seu endereço do Alto Leblon (talvez pedalasse uma magrela, talvez pedisse para dar uma olhada no mar pela janela) e iluminou de tal maneira o apartamento, se deixou novamente puxar com alegria pelos cabelos, que a felicidade merecia ser contada para todo o mundo, como você tão bem faz neste último disco, todo dedicado a dizer que o coração — aquele que em velha música aparecia “bagunçado” — agora novamente balança em samba leve.
O amor que chega tarde começa logo cedo quando se deixa de lado a gravidade dos últimos discos e abdica-se da complicação dos arranjos sofisticados e frios. O homem cinza passou. Tudo que ele quer agora é exibir a cara sorridente na capa do CD e, uma faixa após a outra, cumprir o que está nas letras. Fazer as mais floridas confidências, cantar o descompromisso dos lararis lararis, e confirmar o desejo sussurrado pela amada de que doravante a vida será de abadá a tremeluzir, uma festa de São João sem fim.
Este é o Chico Buarque de 2011, o melhor CD da temporada.
Já o samba é isso que você está colocando nos palcos, Adriana, uma esquina de Paulinho da Viola que se encontra com aquela esquina da bateria sem pratos do Domenico Lancellotti. Os dois vão conversando sacanagens pela Lapa, um sempre dançando o miudinho no Estácio, o outro chamando para um falso rock-and-roll no Jardim Botânico. O resultado é o novo show que você faz neste momento em alguma cidade do Brasil, uma chuva de confete prateado, mulheres decotadas que se debruçam sobre a história do samba, cantam “eu vivo a sorrir” e são do capeta, da chupeta e da lira do xopotó. Elasderramaram todas na noite. Quando apareceu o dia, rimaram com orgia, num passeio, como diria um crioulo doido, sobre as idiossincrasias da música carioca.
Há muitos sambas na praça, o samba de terreiro, o samba de enredo e uma centena de outros, sem esquecer os do paulista Adoniram Barbosa e do baiano Batatinha. O samba da gaúcha Adriana Calcanhotto pode ser rotulado como do tipo de amor que aparece numa das suas novas letras. É ao mesmo tempo o samba do hiperquântico e também aquele que revira os olhinhos, reverente, quando fala de Dorival Caymmi. Ela tem humor, ela dança, dá um aviso aos navegantes por um megafone, finge que é samba sincopado, mas, quando vai entrar no refrão, distorce a guitarra e diz que é assim no ocidente, ou pelo menos assim o é no Leme.
Ela inventou a mulata gaúcha que ri inzoneira, que quebra o chimarrão das tradições, que balança e que judia com os neguinhos, tudo como está descrito nas músicas. Quando sai para o samba na Mangueira, deixa a geladeira cheia e ainda faz a gentileza de citar Geraldo Pereira, pedindo que seu macho fique à vontade, pois é tudo sem promessa, quase sem compromisso. A Amélia já era. Assim como as mulheres modernas de suas letras, quando Adriana pega o aspirador em cena não é para tirar pó das cortinas do palco. É para fazer um som.
Este é o “Micróbio do samba”, o melhor show da temporada de 2011.
Eis de volta o grande Chico apresentando a paixão de um homem por uma mulher, e toda essa delicadeza vem embalada no CD por um encarte multicolorido como ele jamais ousou em todos os seus 50 anteriores, uma profusão de amarelos, laranjas e azuis encarregados de dizer, logo na primeira faixa do CD, que hoje finalmente conheceu o amor e que o dito cujo deixou de ser uma “obscura trama”. A MPB está cheia de grandes discos sobre rompimentos amorosos, como os de Dalva de Oliveira e o “Cê” do Caetano. O de Chico vem a público escancarar, logo ele, sempre tão discreto na alegria, que a felicidade também dá samba. Mesmo sabendo do risco de penar com aquela pequena, acredita que vale a pena cair de quatro ante sua deliciosa cena, e, sem possessão antiga, sem ortodoxia passadista, quando ela pinta a boca e sai, Chico a beija e, compreensivo, diz “take your time”.
Eis de volta um grande show de samba, e Adriana Calcanhotto é a melhor pós-portabandeira heterodoxa para apresentar Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho e toda uma multidão de iaiás, de falsos malandros, de compositores embutidos nas minúcias de seus impagáveis esquetes musicais. Num deles, a marchinha “Deixa, gueixa” (“deixa eu te fazer o chá”) — que Lamartine e Braguinha sairiam no tapa, dariam em troca metade de suas lourinhas, mulatas e morenas sem fim – , Adriana vai à cozinha. Pega bandeja de prata, xícaras e colheres, mas ao invés de servir o chá das antigas, ela, falsa gueixa, grande performática, usa tudo para fazer percussão. Depois do Rock in Rio, eis Chico e Adriana, e com eles a MPB vive a sorrir.

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