Essas mulheres – 3

                                  O amor e o ciúme nos tempos do descartável

Ilustração Cláudio Duarte/O Globo


De Marta Cardoso: “Era 1973, fui comprar móveis na Ultralar ao lado do Distrito de Madureira. Os vendedores vieram em cima de mim, e eu, com o dedo, apontei o mais feio. Tempos depois, de curtição, uma amiga foi lá e disse ao vendedor feio que eu o amava. Aí ele começou a me cercar, telefonando no Natal. Resumindo: casamos. Fizemos jus ao slogan da loja, “Ultralar dá pé”. E como deu. A loja fechou, o amor continuou.” Marta, o amor é um eletrodoméstico sem prazo de garantia. Você deu sorte. Comprounum tempo em que a indústria não havia optado pelo jogo rápido da descartabilidade, aquele em que o refrigerador dá uns beijinhos aqui, o secador dá uns beijinhos ali, e depois todos telefonam escangalhados para o 0800 do Ponto Frio Coração dizendo “O problema não é com você, é comigo”. Parabéns.

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De Patrícia Freire: “Sou ciumenta. Eu e meu marido demos uma festa de réveillon para 60 pessoas. No dia seguinte, vou arrumar a casa e acho num dos quartos uma sandália prata e um vestido preto de um ombro só. Desconfiei que eram da ex do meu marido. Num acesso de fúria, varejei a sandália no lixo, peguei a tesoura e picotei o vestido. Ciúme é fogo. Quinze dias depois, minha tia telefona perguntando se achei a sandália que ela deixou no armário. Pior. Procurei meu vestido lindo, de um ombro, pelo qual paguei uma grana na Animale, e aí fiquei doida. O ciúme me cegou. O vestido picotado era o meu.” Patrícia, pense positivo. Vestido de um ombro só saiu de moda. O ciúme também não chega a 2012. Da próxima vez que a ex do seu marido deixar vestido e sandálias espalhados pela casa, vingue-se. Use.

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De Sandra Farias: “No meio da noitada em uma boate paulista, fui ao banheiro. Ao retornar à mesa, percebi que chamava a atenção da ala masculina. Pensei: ‘A carioca aqui está podendo’.Mas que nada! No processo de vestir a calcinha, a minha saia ficou presa por dentro da mesma e eu desfilei com ela à mostra.” Sandra, tenho certeza de que na noite seguinte todas as paulistas da boate estavam com a saia presa por dentro da calcinha. Cariocas são bacanas, lançam modas sacanas. Peça patente.

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De Carlos Bustamante: “Meu amigo Rubens pediu à mulher, no primeiro fim de semana de casamento, que fizesse um peixe. Ela fez, mas cortou a cabeça e o rabo, que eram as partes de que o Rubens mais gostava. Ela aprendeu com a mãe, que por sua vez herdara a receita. A mais velha do matriarcado familiar explicou que antigamente as panelas eram pequenas e para caber o peixe precisava cortar o rabo e a cabeça. Comentário meu: ‘Ninguém procura o porquê das coisas’.” Carlos, estive outro dia no consultório do Troisgros e ele me explicou, com todos aqueles erres, que amar uma mulher é apertar tudo, sem cortar nada, na mesma panela — e seja o que Deus quiser. Comentário meu: a mulher do Rubens é inocente.

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De Isabela Santos: “A vaidade é uma característica das mulheres. Minha tia chegou a ser Miss Brotinho em Porto Alegre. Hoje, com 72 anos, continua vaidosíssima. Dias atrás, num shopping,no meio da conversa com a vendedora, perguntou ‘Quantos anos tu me dás?’. A vendedora, simpática,respondeu ‘uns sessenta e poucos’. Minha tia voltou para casa aos prantos, talvez pensando onde e quando deixou para trás seus vinte e poucos.” Isabela, eu desconfio é da vaidade arrogante das mulheres que se proclamam sem vaidades. Essas são perigosas. Prefiro as normais, como a sua avó. Ela ainda olha no espelho e se reconhece nele, e isso é o que importa. O triste neste mundo é a invejinha branca das vendedoras de shopping.

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De Denise Assad: “Minha amiga Daniela estava no escritório quando toca o telefone e, do outro lado da linha, antes que ela diga qualquer coisa depois do alô, seu namorado começa: ‘Maria, vem logo, gatinha, se não o chope esquenta’. Dura na queda, Daniela não se fez de rogada: ‘Vou passar para Maria e você marca direto com ela, ok?’. Silêncio total do outro lado. Quando mais tarde o rapaz procurou minha amiga Daniela para as explicações inexplicáveis sobre que Maria era aquela, suas roupas já estavam esperando numa mala na portaria.” Denise, havia um comediante do tempo das chanchadas, o Zé Trindade, que sempre fazia o mesmo tipo, um nordestino mulherengo. Só pensava nelas. Um dos seus bordões era “O negócio é perguntar pela Maria”. Faltou à Daniela a curiosidade de perguntar que Maria era aquela. Eu tenho um amigo que para não cometer erro desse tipo chama todas de Maria, como se fosse sinônimo para mulher. Não é fino, mas tem funcionado. Assim, os romances sobreviveriam mais aos telefonemas. O Garrincha chamava a todos os homens de João. O mundo era simples. Maria amava João, e o resto era linha cruzada ou bola no mato que o jogo entre eles era de campeonato. Denise, não dê ouvido aos telefones.

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De Vicente Limongi Netto: “Sensacionais as histórias das mulheres. Seguramente contarás também interessantes histórias dos homens.” Vicente, havia um crítico de gastronomia chamado Apicius, pseudônimo do jornalista Roberto Marinho de Azevedo. Uma vez, entrevistado sobre seu sonho de consumo, disse que queria ter um “checador” particular. É aquele profissional que em algumas redações checa se é verdadeira cada informação contida num texto antes de mandar a matéria para a gráfica. Mulheres se expõem, contam seus dramas, seus fracassos, seus maravilhosos ridículos. Homens são “garganta”. Para me garantir da verdade do que eles me escrevessem, eu precisaria também de um checador particular, e isso, cá entre nós, não ficaria bem para este redator de índole macha que aproveita o ensejo e, agradecido à colaboração de suas digníssimas leitoras, beija carinhosamente a mão de cada uma delas e se põe de férias por apenas 30 dias.

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