Sou mais Neymar


Foto da internet


Sou mais Neymar e de pedalada em pedalada, levando pontapé das vírgulas, vou tentar explicar por que sentei neste lado da arquibancada. O futebol anda triste, cheio de técnico marrento filosofando sobre a nova retranca. O garoto da Vila é alegria, o moleque que vai dentro da gente, mas as contas a pagar, as necessidades de ganhar o jogo da vida, tudo isso vai aos poucos asfixiando e nos deixando assim, pernas de pau.
Gosto de quem ria ou faça rir durante o jogo, durante o sexo ou ao tentar escrever um texto para o jornal de sábado. Neymar é diversão em estado bruto, um Didi Mocó que estufa o barbante e completa a graça. Messi é travado. Filho de um país sem tradição de comediantes e com muita tragédia para contar, ele passa perfeição naquelas arrancadas de passinho curto — mas Neymar faz o mesmo, só que dono de um repertório mais imprevisível.
Seria até conveniente apostar no argentino, pois até hoje eu não consigo descrever o drible que o garoto santista deu no Ronaldo Angelim, uma espécie de drible da vaca misturado ao elástico, e que redundou, como diria algum speaker da minha infância, naquele inacreditável gol contra o Flamengo.
O anúncio da Fifa sai em janeiro, mas amanhã, com a final do Mundial de Clubes, as dúvidas sobre quem é o melhor vão ficar mais claras. Se eu escolhesse Messi, seria mais fácil. Faria um texto em linha reta, como as que ele traça em campo, e ia em frente. Tudo muito eficiente. Sujeito, verbo e predicado bem construídos e que levam ao gol. Mas, eu sou brasileiro, com muito orgulho etc.
Eu vi Garrincha passar a bola entre as pernas do Coronel e do Jordan. Eu vi Julio Uri Geller Cesar entortando os laterais. Eu vi Paulo Cesar fazendo embaixadas e dar um balãozinho num alemão. Eu vi Pelé.

A música que chama para a festa

Quando eu vou aos estádios ou pego um livro, eu busco fantasia, espanto, algo que me tire da lei natural das coisas, acabe com aquele tabuleiro do técnico explicando a bola que deve ser passada da figura A para a figura B. Eu quero pulgas mil na geral, eu quero alguém que me alivie do tédio do Felipão, do Luxemburgo, e exploda a gramática do futebol ou do modo de escrever. Eu quero ouvir gargalhada geral, boquiabrir-me ao espanto de uma jogada genial — como aquele passé para o gol do Borges contra o Vasco, em que o Neymar dá um toque com o pé direito para o pé esquerdo e quando o Dedé começava a perguntar “que-porra-é-essa-que-essecara- quer-fazer?”, a atenção do zagueiro é desviada pela firula e a bola é adiantada para o companheiro balançar o véu da noiva.
O Messi é rival à altura de Neymar (os dois não chegam a 1,70m), de terrível  competência também nos passes aos companheiros. O futebol mostra mais uma vez que dois tampinhas, sem grandes musculaturas, são capazes de fazer justiça social ao seu jeito, desmoralizar botocudos de todo o mundo e reinventar um espetáculo que já deu a folha seca do Didi, a bicicleta do Leônidas da Silva, as pontes do Pompeia e a pedalada do Robinho.
Eu sou mais Neymar, tenho dito e vou fazê-lo até o final do texto porque assim acho que deva ser o futebol. Indescritível. Deixar o japonês de bunda no chão. Se o amor é um texto e o sexo, um esporte, como quer o Arnaldo Jabor, eu diria que Neymar é o riff de abertura dos Rolling Stones para “Satisfaction”, o convite para uma orgia ao ar livre, enquanto Messi é o bandoneom que soluça nas mãos do Piazzola. São músicas lindas — mas eu prefiro a que chama para a festa.
O estilo de Neymar desarruma o futebol, bagunça o coreto dos dribles catalogados. Não é mais o pedalada, o elástico, o da vaca, mas uma coletânea de todos eles remixados por um garoto que parece estar jogando na várzea. Messi não está para brincadeiras. A maior referência dele é Maradona, o trágico. Neymar é a continuação do drible vou-fingir-que-vou-por-ali-e-vou, do Garrincha — só que reescrito pelo avesso por um garoto travesso depois de ouvir funk no iPod.
Futebol não é mais uma caixinha de surpresa, mas sexo, grana e rock and roll. Neymar corre seco atrás da mulherada, que é como se chama lá na minha rua o balão de couro número 5. O Messi vai com a bola presa não se sabe direito em que canto do pé, esconde uma traição aqui, um chorizo acolá, um alfajore no bolso do calção, e por mais impossível que seja um sujeito tão atarracado seguir em frente, lá está ele enfiando.
Eu perguntei a uma amiga, também versada nas coisas do futebol, qual dos dois ela preferia namorar. Deu Neymar. Não pela aparência física, pois nisso os dois empatam pela falta de graciosidade evidente. Minha amiga acha Neymar mais sugestivo. Ele dribla às vezes como um caranguejo, vai ciscando a bola de lado acompanhando a linha lateral e, de repente, muda não só a velocidade da brincadeira como inicia uma linha reta em direção ao gol. Minha amiga acha que uma gritaria de gol de Neymar acordaria o condomínio. Com Messi rolaria um papai e mamãe eficiente.
Enfim, sou Neymar para o título de melhor jogador do ano, pois ele me sugere mais imaginação e foi isso que as pontes do Castilho, os gols de bico do Romário e a patada atômica do Rivelino me ensinaram a enxergar por trás do jogo de futebol.
“Cego em futebol é aquele que só vê a bola”, dizia Nelson Rodrigues aos idiotas da objetividade.
Sou Neymar porque ele está disposto a reinventar a brincadeira não só com os pés, mas com o cabelo e a meia subindo até por baixo do calção. Ele disse “fico”, vai continuar por aqui, e se transformou na mais completa tradução boleira do país emergente. É o novo milagre brasileiro, a irresponsabilidade do fraco abusado, o Macunaíma do Santos que na hora do jogo de futebol dribla a preguiça atávica do seu povo e sai aprontando entre as pernas adversárias, sem votos de respeito ou consideração. Demorou — o Dunga não queria deixar —, mas o futebol voltou a ser divertido e eficiente.

Comentários

  1. Que texto é esse ? Apesar do Santos não ter ganho, Neymar não ofuscou seu bilho, pelo contrário. O Messi pode até ganhar como o melhor do mundo - isso provavelmente vai acontecer - mas, ele joga nos melhores campos, com os melhores jogadores, com as melhores assistência - no geral - possíveis e imagináveis, e já o 'nosso' Neymar não tem nada disso por completo, os campos e os jogadores não são os piores, mais estão longe do contrário. Sou amante do futebol arte, o placar as vezes interessa menos que o espetáculo, e é ele que nos enche os olhos de orgulho - Neymar, o espetáculo!

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