Da Caixa Postal

                             Qual a fonte escondida na alcova da atriz dramática?

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De Antonio M. V. Gomes: “O folclore da grande atriz dramática do cinema novo, que grita ‘Bota essa cama na rua e ensina o povo a trepar’, tem um componente interessante. A fonte que te contou tinha o apelido de ‘Arrasta’?” • Antonio, fonte é coisa a se guardar no lado esquerdo do peito e eu não revelo as minhas nem sob a tortura de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim da Rosana Jatobá. Sou um túmulo e, para não dar com a língua nos dentes, nele pus o epitáfio “Aqui jaz”. Só. “Arrasta”, “Garganta Profunda”, eu conheço todas essas fontes murmurantes, cheias de aleivosias sobre o que vai nos quartos alheios. Inventam muito. Sou aquele trio de macaquinhos do jornalismo. Ouço, anoto, publico. Às vezes, como paga, dou uma sardinha para a fonte; em outras, ofereço uma “curtinha”. Se cruzar na rua, finjo que não conheço.

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De Rachel Faço: “Em pleno alto mar, já à deriva, sem ver o barco ou dele me lembrar, esbarro numa garrafa cinza, embalada pelas marés dos dias. Aflita, retiro a rolha e leio: ‘Volte a bordo!’ Mando notícias de volta, em outro invólucro. Chegará à outra margem? Dentro, um pequeno bilhete: ‘Grata por ventar até aqui.’” • Rachel, bota a garrafa ao mar e não gasta muito verbo na mensagem. Escrever é cortar palavras. Eu reduziria o “Grata por ventar até aqui” ao essencial. Escreveria “Ventaqui”. Esperaria, feito aquele cartum clássico, dando volta na ilha. Sem desespero. Tem sempre alguém que lê e compreende.

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De Nivaldo A. Lemos: “Aqui vai pequena correção à coluna de hoje no GLOBO. ‘Please to meet you’ não faz sentido. O correto é ‘Pleased to meet you’. Como o ‘ed’ final de ‘pleased’ soa quase como ‘t’ e a palavra seguinte também começa com ‘t’, ‘pleased to meet you’ acaba soando quase indistinguível do incorreto ‘please to meet you’”. • Nivaldo, você tem razão. Foi por isso que o Mick Jagger, ao ouvir o meu “please to meet you”, deu uma de Didi e retrucou: “Cuma?”

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De Emilio A. Petti: “Você precisa conhecer a rabada com agrião que tem todas as terças na Puleiro do Galeto no corredor central do Cadeg, em Benfica. Supimpa.” • Petti, nessa época do ano eu costumo pular a rabada. E também as costelas, os ossobucos, os lombinhos. Não me queira mal nem macrô. Até do olho no olho eu fujo. É verão demais para ir à Cadeg, circular entre o pólen de todas aquelas flores e colocar de pé nove colunas semanais. Me absinto. Peço licença para mandar Moacyr Luz no meu lugar.

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De Camila Marins: “Li sua crônica e lembreime de Fernando Pessoa, em ‘Navegar é preciso, viver não é preciso’. Eu quero para mim o espírito desta frase, transformada. Viver não é necessário, o que é necessário é criar.” • Camila, eu diria mais. “Viver não é preciso, preciso é viver sem precisão.” Ou ainda. “Viver ao necessário, sobreviver ao desnecessário.” E por aí afora, se é que não estou, tremoços ao vento, lusitanamente a viajar.

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De Boanerges Aguiar Castro: “Fiz um samba da mais pura bossa nova. Eu bato um violãozinho, mas sem o Clube 21, o Antonino’s, o Botanic e o Ouviro Dum, não tenho mais onde mostrar. Se a letra cair na sua simpatia, bem gostaria que você, com seu prestígio, a indicasse para um cantor ou uma cantora.” • Boanerges, gostei. “Brindar com champagne/ Ter a vida com glamour/ Que você me acompanhe/ Me chame de mon amour”. É cheio de bossa. Passei para o João. Jurou que ia gravar.

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De Claudia Versiani: “Em São Francisco, fui a um restaurante que não teria a menor graça se não fosse onde Dashiel Hammet ia todas as noites para, num canto, escrevinhar o seu ‘O Falcão Maltês’. Essa é a alma de uma cidade. E alma, no Rio, é o que não falta. Vamos sair do óbvio e mostrá-la aos turistas.” • Claudia, no Rio, esse restaurante seria o Pavão Azul, na Hilário de Gouveia. Já vi ali o Alfredo Garzia-Roza, o nosso Hammet, atracado às pataniscas da casa. Não escrevia fisicamente, mas parecia que a cada dentada a cena do crime ia se fechando em seu cérebro. Em seguida, acho que ele já tinha incorporado o detetive Spinoza, cruzou a rua. Cumprimentou respeitosamente uma delegada morena da 12a- , perguntou sobre a Delegacia Legal, e pegou o metrô da Siqueira Campos. Foi para o escritório do Castelo colocar a história no computador. No próximo livro dele, quando alguém pedir pataniscas de bacalhau, fique de olho. Aí tem.

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De Gracinda da Silva: “Me surpreende a língua rebuscada em você, uma pessoa que se diz tão jovem e ‘up to date’. Mesmo assim admiro a liberdade de expressão que lhe é peculiar, embora me obrigue a consultar o dicionário para entender o significado de ‘ombudsman’ e ‘vírgulas desparagonadas’. • Gracinda, você deve estar me confundindo com o Rubem Fonseca, este sim, jovem e up to date, levantando ferro na academia do Leblon. Eu sou o Fantasma que anda, o Nick Holmes ensimesmado, um gibi de páginas soltas pelo vento e que tenta colocar a história em ordem. Às vezes digo “ombudsman”, às vezes vou de “desenxabido” e “songamonga”, tudo na certeza e no outrossim de que palavras são para serem lambidas, sem ordem de entrada, sem lupa e hierarquia, no grande dicionário da língua viva. A propósito, “desparagonado” é tudo o que fica graficamente desequilibrado. Eu sou. 

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