Ai de mim

                                        Neymar e McCartney são ótimos, mas...


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Ai de mim falar mal das marchinhas, justo eu que, quando fiz a primeira crônica sobre elas, em fevereiro de 2005, ainda não havia sido encenado o musical “Sassaricando” e o renascimento dos blocos era no máximo confete, um pedacinho colorido de saudade. Ai de mim, eu que no segundo ano primário enchi um caderno de caligrafia repetindo à exaustão a letra de "Periquitinho verde”, de Nássara. Adoro-as. Mas é preciso descobrir, para a sanidade dos locos, outras marchinhas além da “Jardineira”, “Mulata bossa nova”, do “Mamãe eu quero”. Que tal colocar de novo na rua, e na cabeça, a “Lata d’água“, que a Maria carregava morro acima e não se cansava? Que venha o “General da banda”, “Índio quer apito”. Duvido que a garotada assanhada do Rola Preguiçosa não cante com ênfase, sem o falsete do Orlando Silva, que a lançou, a sacanérrima e maravilhosa “O que que há com a sua baratinha/ Que não quer funcionar/ Bota esse motor em movimento, menina/ E vamos passear”.

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Ai de mim falar mal do Paul McCartney, tantas vezes vencedor dos confrontos que promovi contra John Lennon, para a fúria de emails dos fãs do beatle intelectual que queria ser herói da classe operária e teve a sorte de morrer jovem, no portão da casa em que passava os dias fazendo pão para o filho. Ai de mim meter o pau no Paul, mas esse disco de standards da música americana que ele acabou de lançar é triste. Nada especialmente contra as escolhas das canções, nem muito a favor também, todos clássicos consagrados. Mas Paul, a melhor voz do pop, aos 70 está quase sem ela. Em meio às guitarradas do seu grupo, e quem o viu no Engenhão sabe, dá para levar, mas sozinho com um grupo acústico, como agora em “Kisses on the bottom”, é constrangedor. Um fiapo trêmulo lhe sai da garganta, daquela mesma de onde saíram os trovões de “Oh darling” e a suavidade acalentadora de “Michelle”. Descansa, Macca.

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Ai de mim falar mal do Neymar, eu que já o comparei com Messi e cheguei à conclusão que, podia ainda não ser melhor, mas tinha um potencial de festa muito superior ao argentino. Ai de mim botar para escanteio a ousadia da minha afirmação, a de que ele era mais imprevisível do que o baixinho do Real Madri, genial, mas com um desenho de jogada mais ou menos já sabido, com seu toques curtos e arrancadas. Não vou dizer aqui o oposto do que disse antes, mas Neymar não tem decidido. Caiu no meio dessa trágica seleção do Mano Menezes e, em vez de dar o drible da vaca na infelicidade, deixa-se abater por ela e seu jeito de jogar quadrado. Quando toca na bola ao lado do Hulk, do David Luiz e do Sandro, nota-se que é um talento especial, a bola subitamente começa a correr e o futebol brasileiro a ter de novo esperança. Mas os jogos ruins da seleção têm se avolumado e a capacidade que carimba a trajetória dos grandes craques em distribuir a mágica pelos colegas menos afortunados — Garrincha em 62, Romário em 94, Ronaldo em 2002 — não tem acontecido. Esquece o Mano, Neymar.

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Ai de mim ficar conhecido como um sujeito que passa dois parágrafos enchendo a bola dos argentinos, primeiro pelo futebol e agora pelo cinema, mas é que eu vi dois filmes da recente safra deles. “Homem do lado” e “Medianeras” são excepcionais. O primeiro repete aquela qualidade de outros filmes de lá, de contar com simplicidade, bons diálogos e ótimos atores uma história cotidiana que em mãos menos hábeis — não citei ainda nenhum estiloso cineasta brasileiro — renderia nada. “Medianeras” é da escola Woody Allen, da dificuldade de se relacionar com o próximo e encontrar o grande amor. Aposta na edição e novamente em diálogos espertos, cheios de inteligência. Estava vindo dos argentinos um punhado de filmes trágicos, com a selvageria da ditadura militar como pano de fundo. Eles parecem ter chorado todas as pitangas. “Homem do lado” e “Medianeras”, não vi “Um conto chinês”, primam pelo bom humor e pela capacidade de se fazer bom cinema com elegância, sem efeitos de câmera publicitária como gostam os brasileiros, e para grandes plateias.

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Ai de mim falar mal do desfile das escolas de samba, logo eu que não esqueço do Calixto estalando os pratos do Império Serrano no chão da Praça de Vaz Lobo, logo eu que acendia as gambiarras para a Portela passar com o Preto Velho da minha família na Praça Onze. Mas é preciso ensinar, nos cursinhos aos jurados, que a essência do desfile é a renovação. Desde a pioneira “Deixa falar”, as escolas saem diferente todo ano, acrescentam instrumentos, inventam passos, improvisam o samba, depois colocam dez compositores para fazer um, desnudam a genitália, cobrem de novo, e por aí afora. Fernando Pamplona entendeu isso, assim como Arlindo Rodrigues, Maria Augusta, Joãosinho Trinta, Fernando Pinto, Paulo Barros e agora a bateria da Mangueira, que foi na contramão do que se esperava dela e, quando todos preparavam os ouvidos para o batuque, se fez súbito silêncio. Foi o melhor do carnaval. Desplugou o carro de som e botou um pagode acústico no centro da Sapucaí. Os jurados, sempre simpáticos mas incompetentes, torceram a cara para a renovação do espírito-que-samba e tiraram décimos fora. Que o fantasma de Ismael Silva, fundador da primeira escola, lhes explique o sentido da coisa numa madrugada dessas.

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