É uma esquina banal do Rio de Janeiro, mais
precisamente a da Delfim Moreira com a João Lira, e lá está ele num domingo à
tarde. Turistas do mundo inteiro passam ao lado, a gangue da bicicleta também,
os biguás cruzam o céu em voo rasante. Nosso personagem nada vê.
Lá está o mais
famoso prosador brasileiro das arruaças entre os sexos. O escritor capaz de
desancar de modo vil o amor, esse coitado. Dependendo do que lhe tiver
acontecido na cama da véspera, pode entronizá-lo, mas sem euforia, com angústia
psicanalítica, no altar de mármore da mais linda catedral veneziana, grato por
ter sido bafejado em idade tão provecta pela chegada de uma paixão madura.
Infelizmente,
não é o que está acontecendo no front
sentimental com o
Especialista do Amor na esquina do Marina do Leblon, o mesmo hotel eternizado
numa música da Marina Lima, aquela balada do quando ele se acende não é para
nós dois. O Grande Pensador das Idiossincrasias da Paixão está brigando com a
mulher, uma loura bem mais jovem, que a tudo ouve, rosto crispado, mas que
resignadamente a nada vocifera
A música da Marina é um conselho para baixar a
bola dos pretensiosos, um aviso de que o mundo não está nem aí para os dramas particulares.
O casal parece cônscio disso. Deblatera-se como se tivesse ficado invisível, entregue
à sua mútua raiva. A multidão também passa indiferente, mas tem sempre alguém que
vê e imediatamente põe no jornal em letras garrafais: “O amor não toma jeito, fracassou
de novo”.
Tem sempre alguém que já sentia o drama na carne, e agora, diante do
Especialista publicamente envolvido pelo mesmo tormento, se aproveita da cena.
Não é para tripudiar, mas para se sentir mais resignado e suportar o próprio sofrimento.
“Definitivamente, o amor é um blefe”, sussurram as ondas do mar em frente.
O
Dono do Verbo Sentimental, sempre escrevendo com a letra púrpura de quem foi
aos mais profundos vinhedos da sabedoria para trazê-la à luz dos ignorantes, é
PHD não só do pegapracapá amoroso, mas também da ciência de como lhe
aplicar o veneno anti-histeria. “O amor já era”, tem dito. Articula como
ninguém essas premissas subreptícias que vão aos desvãos rancorosos, às rimas
pobres da desilusão do coração, aos colchetes e colchões dos amantes — mas em
seguida apresenta a receita da cura.
Seus leitores sempre acharam que ele tinha
a força de resolver os atropelos da carência infinita que é a busca amorosa.
Demonstrava-se mestre na capacidade de chafurdar de cachecol na calhordice do
amor que por acaso lhe pregasse mais uma peça — e, na revista da semana
seguinte, contava como não entrar na mesma e dolorosa roubada.
Vã quimera.
Ele
agora está batendo boca com a mulher no meio da rua, feito você e eu, e o amor
vai lhe escapando do controle como esses touros mecânicos de
parque de diversão. O amor, esse terreno baldio suburbano, a flor roxa, a flor
do lodo sempre subindo e fedendo no coração do trouxa — o fracasso do amor está
dando bandeira no Leblon.
Quem não desconfiava que amar é mico? Quem, mesmo
assim, não insistia, pedindo mais uma dose do mesmo conhaque? Mais um pico que
aplaque na veia a ansiedade dessa carência que nenhuma outra droga substitui?
A
cena não saiu no Globo Online, a câmera da CET-Rio estava virada para um
acidente logo adiante — mas tem sempre alguém que vê e publica no jornal do dia
seguinte. Não como escárnio, mas cumplicidade. Como se este alguém passasse
pelo casal discutindo na esquina e batesse gentil no ombro dos dois,
sussurrasse com sinceridade um “guenta firme, estamos juntos, sei como é”.
Lá
está o Homem Alfa Psicanalizado quase colérico na calçada do Hotel Marina do
Leblon, nem aí se as luzes do sol das quatro horas da tarde estão ou não acesas para ele. O mundo
passa ao seu redor, branquelas da Noruega, chinas da Conchichina, mulatas da Lapa,
mas ele esbraveja com a mulher na língua universal do barraco de casal.
Esqueceu Tomás de Aquino e todos os verbetes da razão e da prudência.
O Guru do
Amor está cheio de mãos agitadas como se fosse um italiano do norte, cheio de
disposição como se fosse um brasileiro qualquer que nunca tivesse lido a
“Educação sentimental”, do Flaubert. A Lei Maria da Penha pode ser acionada a
qualquer momento — e antes que a rádio patrulha chegue aqui agora, antes que
Cupido peça para que o coloquem fora desse barraco, eis que o espaço do jornal
se dá por findo, as luzes do Hotel Marina do Leblon se dão por apagadas, e a cena
final fica para a próxima semana.
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