Uma é Odetinha, a menina-santa enterrada no cemitério São João Batista, a
outra é simplesmente Odete desde a pia batismal, mas quer ser chamada de putinha no grande altar da
cama. É a estrela mais fulgurante dos novos vídeos de humor que, saídos do Rio,
estão tomando conta da internet.
Odetinha, a menina rica da Zona Sul que dava tudo aos pobres, vai ser
encaminhada para a canonização quando o Papa puser os pés no Rio em julho, num
cortejo revisto para mais de dois milhões de visitantes estrangeiros. Odete, a
que está sentada à frente do marido no esquete “Sobre a mesa”, no YouTube, quer
ser tratada como uma cachorra, possuída por toda a seleção da Nigéria, e, um século
depois de lançada por Freud, responde sem papas na língua o célebre
psicanalismo sobre o que querem as mulheres modernas.
Uma é Odetinha, a outra é Odete, um nome que desde Odete Lara nunca mais
batizou qualquer garota entre Leblon e Ipanema. Ele está nas capas das revistas
com o início, esta semana, da investigação pela Santa Sé para o processo de
beatificação da menina que dividia a comida com os vizinhos pobres da sua mansão
de Botafogo. Está também nos cadernos de cultura com o programa de humor do
blog “Porta dos Fundos”. Neste, um homem, na mesa de jantar, frustrado por ter
de escolher entre abacaxi e tangerina a sobremesa do jantar, diz que esperava
mais da existência — e pergunta à mulher, Odete, o que ela quer da vida.
Uma é Odetinha, nascida em 1930, e cura os fiéis que a buscam em orações
ou ao vivo, no túmulo do cemitério de Botafogo. A outra é Odete, uns 40 anos,
nem feia nem bonita, aquele tipo que a vulgaridade masculina reconhece dar para
o gasto. Apenas uma mulher de classe média, numa sala decorada sem quadros de
santos na parede. Diante da pergunta do marido sobre o que quer da vida, ela
vai direto ao assunto. Em tom monocórdio, como se lesse a lista de compras do
supermercado, responde que quer foder — e realça que não disse fazer amor, nheco-nheco ou transar. A Odete
de 2013 quer dar para o porteiro, o cunhado, o personal trainer, o George Clooney,
o exército israelense, a seleção africana. Não quer um de cada vez, mas todos ao
mesmo tempo, esclarece.
Elas se chamam Odete e eu nunca mais tinha ouvido falar de uma desde a
cantora Odete Amaral, sambista da Rádio Nacional. Estão de volta, aparentemente
santas, aparentemente encapetadas — não está aqui quem as julgará. São mulheres
em debate, falando da necessidade de ter a hóstia consagrada ou a sobremesa que
escolherem para lhes dar sentido à vida. Houve ainda uma outra Odete, a do
samba que João Gilberto regravou nos anos 1970, aquela do “Odete, ouve o meu
lamento”.
Odetinha, morta aos 9 anos, em 1939, de febre paratifoide, não lamenta
nada. Distribui graças. Uma delas é reconhecida pela atriz Giovanna Antonelli,
agradecida por ter, depois de orações a Odetinha, conseguido o principal papel
de sua carreira, o da muçulmana Jade, de “O clone”, que afronta a sociedade querendo
escolher o próprio marido. A Odete, a dona de casa do “Porta dos fundos”, também
não lamenta explicitamente a sua frustração. Diz ainda que quer ser chamada de
vaca e vadia. Tudo de luz acesa. Trivial, como se escolhesse a calda da
sobremesa, a Odete-diante-do-marido diz que quer repeteco de todo seu batalhão
de amantes, acrescentando à lista o nome do nadador Michael Phelps. Zero de açúcar
ou poesia. Odete usa apenas uma palavra não concreta de seu texto-desabafo.
Depois de percorrer a multidão de machos espalhados entre o exército de Israel e
a seleção da Nigéria, ela diz que ao final quer se sentir “extasiada”.
Uma é Odetinha, a menina-santa que carregou nas costas as chagas do
mundo e, prenhe de êxtases místicos, agora deve ter o reconhecimento da Santa
Igreja. O Papa e milhões de católicos a querem. A outra é Odete, a dona de
casa-putinha. Cansada de carregar todas as aporrinhações do santo lar da classe média
nas costas, ela agora quer que subam por ali, ou por onde preferirem, o Malvino
Salvador e todos os santos másculos dos seus êxtases físicos reprimidos. Ontem,
ela estava com 3.985.456 espectadores no YouTube.
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