No dia em que eu conheci Tim Maia, ele estava tão doidão quanto nos dias
em que eu não o conhecera. Todo vestido de branco, bêbado pela leitura dos
livros do Racional Superior, ele tentava me convencer que o mundo não era
redondo coisa nenhuma. Caso fosse, dizia Tim Maia, qualquer um poderia dar um
salto e esperar que sua casa passasse por baixo para aterrissar de novo no
quintal da residência
No dia em que eu conheci Rubem Braga, ele estava taciturno como lhe era
de costume e feitio. Perscrutava o ambiente de uma mesa posta no quintal da
residência do psicanalista Hélio Pellegrino, seu amigo, comemorando 60 anos
naquele evento. Eu me aproximei um tanto assim assustado diante do grande urso
da crônica brasileira, homem conhecido pelo lirismo de sua prosa e o passa-fora
de seus contatos sociais. Perguntei-lhe o que achava do aniversariante da
noite. Rubem Braga foi-me rabugentamente sincero na avaliação: “Esse
psicanalista é um grande maluco”.
No dia em que eu conheci Raul Seixas, ele veio subindo as escadas
internas de seu apartamento, num subsolo da Rua Peri, no Jardim Botânico, e
tinha o cambalear trôpego que costuma caracterizar os bêbados do humorístico
“Zorra Total”. Não só. Raul Seixas estava com a roupa inteiramente molhada, e
eu logo saberia que tinha sido um estratagema arquitetado por sua esposa, um
banho forçado, para que ele recobrasse a razão. Tal não aconteceu. Raul
continuava no torpor desconexo dos bêbados e, após dizer duas ou três palavras
de apresentação, caiu-me desacordado sobre o colo.
No dia em que eu conheci o prefeito Negrão de Lima e lhe perguntei como
tinha sido o ataque cardíaco que sofrera, ele colocou a mão no peito e parecia
ainda estar ouvindo o que lhe assucedera. Disse-me que na hora da
cardiopatia parecia estar participando de um baile de bruxas animado por uma
jazz band.
No dia em que eu conheci o grande ator Grande Otelo lhe perguntei como
tinha sido participar do último desfile das escolas de samba na Praça Onze. Eu
não sabia que o grande ator engraçado era na vida real de pequenos ou raros
risos, mas fiquei sabendo imediatamente. Grande Otelo virou-se sem qualquer
paciência e me perguntou se eu era free-lancer, no que foi imediatamente
informado de que não o era. Ele tentou uma meia-desculpa dizendo que eu parecia
tal, pois aquela era uma pergunta de jornalista free-lancer.
No dia em que eu conheci a saudosa atriz Sandra Brea, ela estava sem
qualquer tempo para dar entrevistas, mas ficou muito impressionada pela
urgência de cachorro babucho com que eu lhe fazia o pedido, e me pôs para
dentro do camarim do teatro onde estava atuando. Ela se submeteu a algumas
perguntas ao mesmo tempo em que, para relaxar e entrar em cena, fazia um
shiatsu orquestrado por um terapeuta japonês que exigiu também daquela vez,
apesar da presença do repórter na sala, a observância da necessidade de a atriz
ficar inteiramente nua para melhor aplicar o poder de suas mãos.
No dia em que eu levei toda a minha ignorância para conhecer o maestro
John Neschling, ele me falou que era um fã de Wagner e que estava indo ao
festival de Bayreuth, na Alemanha. Quando eu perguntei que festival era aquele,
John Neschling fez a cara típica de quem está falando com a pessoa errada.
Disse que preferia não responder.
No dia em que eu conheci João Cabral de Melo Neto no seu apartamento no
Flamengo, ele estava com uma dor de cabeça tão forte que pediu para eu voltar
no dia seguinte, mas no dia seguinte ele foi ao dentista e nunca mais eu
avancei no seu conhecimento.
No dia em que eu conheci a delicada poeta Ana Cristina Cesar, ela
colocou na vitrola o LP em que Roberto Carlos canta “Nasci para chorar” e nós
ficamos assim, a faixa inteira, fazendo playback, cantando em uníssono, mas ao
final ela estava chorando e dizendo “isso é demais, isso é demais”.
No dia em que eu conheci Vera Fischer no estúdio Herbert Richers na
Tijuca, ela me deu uma carona de lá até o seu apartamento no Baixo Leblon,
sendo que nós ficamos presos num enorme engarrafamento dentro do túnel Rebouças
— isso numa época em que não havia vidro fumê, isso no justo momento em que num
carro ao lado também se arrastava, boquiaberta, uma ex-namorada que semanas
antes havia me aplicado um tonitruante pé na bunda.
No dia em que eu conheci o Ronaldo Fenômeno,
ele estava batendo à porta do meu apartamento no hotel de Yokohama, o mesmo
onde os jogadores da seleção estavam hospedados antes da final do Japão. Ele
ficou surpreso de estar na porta errada, pediu desculpas e foi adiante, mas eu
passei a acreditar, quando no dia seguinte ele meteu dois gols na Alemanha, que
aquele desencontro fez parte da organização de seus passos rumo às redes do
pentacampeonato.
No dia em que eu conheci o Tom Jobim, eu
queria saber de detalhes da criação da bossa nova, seu encontro com Vinicius,
mas a toda hora ele colocava estrategicamente para passar, e abafar aquele papo
chato, um urubu nos céus do Jardim Botânico, fazendo com que a entrevista
parasse tantas vezes, fugisse tanto do assunto, que jamais foi colocada no
papel.
No dia em que eu conheci a vedete Rose
Rondelli, disse que ela havia sido a primeira mulher a quem eu havia admirado a
beleza, isso ainda na primeira infância, e Rose imediatamente se aproximou,
balbuciou tatibitate um “não seja por isso”, ao estilo Marilyn, e me tascou um
selinho que eu nunca soube se de agradecimento, de gentileza ou nostalgia dela
própria.
No dia em que eu conheci o diretor Glauber
Rocha, ele estava com o verbo tão disparatado quanto o dos personagens dos seus
filmes e atirava palavras em todas as direções, a maioria delas ricocheteando
na parede e caindo de volta, sem sentido, no meu bloquinho de anotações. Ele
morava numa rua sem saída de Ipanema e contava — vestindo apenas uma sunga,
fumando um charuto de maconha, mordiscando uma maçã — como tinha sido abrir o
caixão de Di Cavalcanti e ordenar, para espanto da família do pintor, que o
fotógrafo metesse a câmera na cara do defunto.
No dia em que eu conheci o Carlos Heitor Cony,
ele me pediu que esperasse 15 minutos, pois precisava começar a escrever sua
crônica para o jornal. Nem um minuto a mais ou a menos depois, ele estava à
minha frente, o trabalho encerrado em pouquíssimo tempo, e aquilo me deixou com
muita inveja.
No dia em que eu conheci o cantor João
Gilberto, ele estava do outro lado do telefone e me dizia que não tinha gostado
nem um pouco do seu novo LP, gravado na companhia de Gil, Caetano, Gal,
Bethânia e de uma maldita bateria que o arranjador colocou ao fundo, sem lhe
consultar, na pós-gravação. Meia hora depois, João ligou de novo para dizer
mais do mesmo, o que aconteceu outra vez no quarto de hora seguinte e mais
adiante ainda, quando não havia se passado nem uma hora do primeiro daqueles
quatro telefonemas. Eu precisei pretextar uma convulsão, um bloqueio nas cordas
vocais, não me lembro mais, mas não pude mais atender.
No dia em que julguei conhecer o senador
Leandro Maciel na porta do antigo Palácio Monroe, na Cinelândia, disparei
imediatamente meia dúzia de perguntas sobre o marca-passo que havia acabado de
colocar e era uma novidade médica. Ele disse que não era Leandro Maciel, mas eu
insisti que era sim, que ele estava tentando fugir da entrevista, e foi
necessária muita insistência do nobre velhinho para que eu colocasse a mão no
peito dele, sentisse que não havia volume de marca-passo e acreditasse no que
estava dizendo. Ele não era o senador Leandro Maciel, era outro senador, também
nordestino, também doente, mas sofria dos rins, ele era Etelvino Lins.
No dia em que eu conheci o Barão de Itararé,
ele morava sozinho na Praça São Salvador, num apartamento comum não fosse o
fato de a pia da cozinha estar repleta de alimentos, pois era aquele o método
que o grande humorista reconhecia seriamente como único capaz de evitar que sua
glicose fosse aos píncaros. Itararé colocava todo tipo de comida ali, mas só se
alimentava com aquelas pelas quais as formigas não se interessavam.
No dia em que eu conheci o poeta Carlos Drummond de
Andrade, eu perguntei o que ele achava do biquíni asa delta. Ele se desculpou —
“ah, meu filho, quem me dera sabê-lo” —, mas de qualquer modo agradeceu muito
de eu ter lembrado dele para tão momentoso assunto.
No dia em que eu conheci o Marcello Mastroianni,
durante a filmagem de “Gabriela” em Paraty, ele tomou um gole de cachaça,
acompanhou com os olhos o corpo de uma mulher que passava e disse “Mamma mia”.
No dia em que eu conheci o poeta Ricardo Chacal,
declamei o seu “melecas as tenho em várias cores e feitios, mas não estão à
venda, durmo com elas”, e ele ficou muito impressionado, não era a intenção da
obra, que eu recitasse o poema quando queria ver Irene, minha filha de 3 anos,
dar sua risada.
No dia em que eu conheci o policial Mariel
Mariscotte, ele na verdade já estava morto, o corpo todo perfurado de balas à
minha frente, no Instituto Médico Legal, e eu me pus pacientemente, como tinha
sido pautado pelo chefe de reportagem, a contar quantos furos de bala o cadáver
tinha. Cheguei a 39, mas não foi um número conclusivo porque o responsável pelo
presunto se negou peremptoriamente a virá-lo de costas para eu continuar minha
abnegada apuração dos fatos, quer dizer, dos furos.
No dia em que eu conheci a cantora Clementina de
Jesus, ela morava num apartamento na Boca do Mato e tudo transcorria
normalmente até o momento em que o fotógrafo precisou ir ao banheiro. A válvula
da descarga estava com defeito, a água não parava de lavar o vaso sanitário e
ele resolveu desaparafusar a engenhoca, fazendo agora com que a água jorrasse
da parede por todo o banheiro, alagando-o. Dona Clementina, sempre mãe-preta
angelical no palco, ficou aborrecida e enxotou a mim e ao fotógrafo para as
ruas da Boca do Mato com o fito urgente de procurar um bombeiro.
No dia em que eu conheci o cantor Fagner,
estabelecemos uma conversa animada sobre a influência dos mestres nordestinos,
Gonzaga e Jackson do Pandeiro, na formação dos novos artistas da MPB dos anos
1970. Alguma coisa que eu escrevi depois não agradou Fagner e ele mandou seu
produtor informar que quando nos encontrássemos novamente encher-me-ia de
porrada. Nunca mais nos vimos.
No dia em que eu conheci o Nelson Gonçalves e
perguntei por que ele cantava, por que ele estava naquele momento chegando ao
incrível número de cem LPs gravados, o cantor de “A volta do boêmio” me disse
que era pelo mesmo motivo que eu anotava as respostas. Havia uma mulher em casa
para cuidar, outras para sonhar, e a vida era esse moto-contínuo, uma que
vinha, outra que ia, e isso movia a Humanidade ao embalo dos boleros que
oferecia.
No dia em que eu conheci Leila Diniz, quis saber
como ela havia começado a carreira e antes que a atriz sapeca respondesse
qualquer coisa o jornalista Tarso de Castro, que jantava conosco, tomou da
palavra e afirmou que Leila havia começado na zona. A atriz deu a sua
gargalhada famosa, jogou a cabeça para trás e quando voltou à posição natural
confirmou. “É verdade, eu comecei na zona e não pretendo sair dela”, tornando a
cair na gargalhada.
No dia em que eu conheci Roberto Carlos, fiz-lhe
observações graves sobre a necessidade de ele gravar os grandes compositores da
MPB e deixar de lado a plêiade não muito nobre de assinaturas que, por
superstição, o acompanhava há décadas na produção das músicas de seus LPs cada
vez mais repetitivos. Roberto Carlos ouviu tudo com muita elegância e, entre um
“sabe, bicho” e outro “bem, bicho”, não disse nada, rei magnânimo que já era,
sobre o que achava do meu jornalismo.
No dia em que eu conheci o poeta Vinicius de
Moraes, ele estava de sunga, dentro da banheira na sua casa da Gávea, e o rádio
da empregada na cozinha anunciou que naquele momento os termômetros registravam
a máxima de 41 graus em Bangu.
No dia em que eu conheci o Carlos Imperial haviam
matado uma moça em Petrópolis num crime com requintes de sexo, drogas e rock
and roll, o que fez com que ele se interessasse em subir imediatamente a serra
para comprar os direitos de filmagem da história. Ao fim da jornada, não havia
mais quartos disponíveis na cidade, de modo que aceitamos constrangidos a
proposta de um digno dono de hotel que nos ofereceu meia diária em troca da
ocupação pela dupla da única cama de casal disponível naquele momento, uma da
madrugada, em toda a rede hoteleira do município.
No dia em que eu conheci o Ibrahim Sued, ele estava
arrematando a produção do casamento de sua filha e me pareceu sincero quando
disse que o único conselho que dera à moça foi o de não ir jamais ao banheiro
de porta aberta, pois a intimidade é linda, a intimidade é gostosa, mas por
mais que seja esta a ideia de um casamento feliz e cúmplice, ela não deve ver
tudo.
No dia em que eu conheci a vedete Virginia Lane,
ela já era uma senhora passados muitos anos e mesmo assim me obrigou a lhe
apertar as coxas para avaliar se não continuavam durinhas. Não só apalpei-as
como menti-as.
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