Meu caro Mario Filho,

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Estive no estádio que leva o seu estimado nome, grande jornalista esportivo, e vou ser sincero: não o reconheci naquelas cadeiras azuis, brancas e amarelas. Querendo fazer graça, quando cheguei ao meu lugar, quase à beira do gramado, ali mesmo onde antes ficavam os geraldinos, fui em direção a uma mocinha de verde, que fazia as honras da casa e dava as informações. Perguntei: “É aqui mesmo o Maracanã, o estádio Mário Filho?”.
            Longe de mim, prezado Mario, o saudosismo de lamentar que agora, sem a divisão entre geral e arquibancada, estes não poderão mais jogar saquinhos de xixi em cima dos primeiros, como era hábito notório.
            Tem gente chorando saudades por todos os lados, dizendo que não sabe mais se aquele é o gol da Quinta da Boa Vista ou onde foi mesmo que o Rondinelli meteu aquele gol de cabeça contra o Vasco.
            Longe de mim, a saudade de dizer que naqueles mármores do Lounge Vip não poderá passar uma nova charanga do Jaime, ou que a Dulce Rosalina, coitada, não teria roupa para ir num evento em cenário tão tranchã.
Eu fiquei inteiramente perdido nesta primeira visita, como se tivessem deletado todas as minhas referências particulares no estádio. Onde é mesmo que eu estava, na primeira vez que vim aqui, naquele esculacho que o Bangu deu no Flamengo, em 1966, quando o Almir Pernambucano, levando de três a zero, melou o jogo e saiu dando porrada nos rosadinhos de Moça Bonita.
            Eu gostaria que o mundo continuasse preservando todos os meus cenários importantes, até mesmo os mais tristes, aquela arquibancada atrás do gol de onde eu, já comemorando o título, vi a dupla Washington e Assis roubando a taça no último momento do Fla-Flu.
            Qualquer garoto carioca poderia traçar a história da sua vida a partir das idas e vindas ao Maracanã. A namorada que o acompanhava, o tio que o protegeu de uma briga de torcidas, a presença histórica naquele Brasil e Paraguai, 180 mil pessoas, o recorde de público no estádio.
Pois, meu caro Mario Filho, eu estive no novo Maracanã e devo lhe informar que não há mais qualquer sinal do estádio a que você deu nome. Imagino que a qualquer momento, sabedor que sou de sua dignidade e caráter, você vá mandar aí do sobrenatural uma mensagem liberando as autoridades a mudarem o nome do estádio.
Dito isso, sabedor que mais uma página da nossa história se foi, e que isso é sempre sofrido, quero acrescentar que o novo estádio ficou sensacional. Bonito e funcional. Ficou meio embecado, e para quem vive numa das cidades mais sujas do mundo isso é sempre intimidador. Reclamam que não tem alma. Aquele espetáculo cafajeste das torcidas vai ter de mudar o estilo do folclore, mas elas encontrarão um novo jeito de fazer graça, desde que não me explodam mais morteiros nos tímpanos nem quebrem as cadeiras onde eu vou sentar amanhã. Chega de malandragem otária.
Vou ser sincero, meu bom Mario Filho, eu não ia ao Maracanã já há algum tempo porque estava cansado das brigas que explodiam por todos os lados, do mau cheiro dos banheiros e todos os demais itens da pauta da absoluta falta de conforto e desserviços que é o comum a esta cidade. Parece que vai mudar e o estádio não será mais só da Raça Fla, da Young Flu e outros nichos de pancadaria.
Por muito tempo ainda vamos chegar ali e lembrar das histórias incríveis do antigo cenário. Alguns nostálgicos vão achar tudo meio plastificado e com cara de uma arena internacional qualquer. Agüente-se o blablabla do “ai como era bom”. O Maracanã já era, descanse em paz, mas já não era sem tempo. A torcida agora, querido Mario Filho,  é para que, com o gramado espetacular, os jogadores tomem vergonha na cara e comecem a jogar à altura. 

Comentários

  1. Acho que ali foi cometido um crime contra a história do futebol brasileiro. Será que valerá a pena trocar minhas memórias tão queridas por um futebol vibrante, criativo, apaixonante, feito os times alemães que brilham nas telas? Se eu pudesse acreditar em contos de fadas com essa idade, sim, trocaria. Mas a realidade hoje é esse campeonato falido, com o Engenhão interditado, sem um laudo confiável. Se o futebol se tornou realmente um espetáculo realizado por profissionais, esse patamar ainda não chegou ao Brasil. Nessa Idade da pedra redonda, lascados estamos nós.

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  2. Sou um admirador de suas crônicas, Joaquim.
    Mas nesse caso, não me parece um mero sintoma nostálgico, como a lembrança saborosa do primeiro e precário automóvel.
    A arquitetura do estádio mudou, perdeu a monumentalidade. Como reproduzir o êxtase que cada um sentia quando, subida a rampinha (ou o túnel), se descortinavam a arquibancada e o gramado (que encolheu, aliás)?
    O anel superior foi desfigurado. Parece um imenso barranco de cadeiras... Sabe aqueles estádios do interior em que as arquibancadas se escoram em barrancos? O Maracanã ficou assim: na busca pelo padrão internacional, tornou-se um gigantesco estádio provinciano.
    Se o problema é modernizar, por que não pendurar um relógio digital no Big Ben?

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