No peep show com Maitê

* leia aqui a continuação parte desta crônica

‘Maitê Proença caminha com a sensualidade natural de uma mulher bonita em meio aos clichês de caras, bocas e glúteos escancarados nas fotos da casa de strip-tease’


IMG da internet


A atriz Maitê Proença, moradora de Copacabana, está entrando no peep show da Praça Serzedelo Correia, distante meia dúzia de quarteirões de seu apartamento.

O peep show é uma casa de strip-tease, um palco cercado de cabines fechadas onde homens, depois de depositarem uma ficha, veem a tela de cristal se abrir à sua frente e do outro lado surgir o eterno espetáculo de uma moça tirando a roupa.

Sexo. O cartaz de sempre em Copacabana, o bairro com o único peep show da cidade.
Cada ficha custa R$ 1,50 e deixa a tela aberta por apenas um minuto. Acabado o tempo, se o espectador ainda não estiver saciado, é necessário colocar outra ficha para continuar vendo o espetáculo. Não à toa o peep show é conhecido como a Casa das Fichas. Fica parede com parede da Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, a Casa das Hóstias.

As paredes do peep show são forradas de fotos de mulheres com bundas enormes, peitos transbordantes e muita sugestão de que você está entrando num local de onde só sairá estraçalhado pela fome de sexo delas. Todas têm esgares de tigresas no cio, posições sugestivas de parecerem prontas para saltarem em cima do freguês, mais exatamente para caírem dentro de seus bolsos cheios de fichas.

Maitê Proença, cabelos louros presos num rabo de cavalo, passa em meio àquela cornucópia de carne oferecida em papel colorido. Ela veste um duas peças de malha bege, sapato de lona da mesma cor amarrado com tiras um pouco abaixo da batata da perna.

Há pelo menos dez homens pelos corredores. Eles veem sem reação, um tanto constrangidos, a cena surpreendente da chegada da atriz, um clássico do que a beleza feminina tem de mais sofisticado no país. Maitê caminha com a sensualidade natural de uma mulher bonita em meio aos clichês de caras, bocas e glúteos escancarados nas fotos do sexo pornô.

Em sua maioria, aqueles homens nos corredores do peep show esperam que a luz no painel de atrações da casa se acenda e anuncie estar entrando em cena a garota de número cinco, Carol, a mais sarada de todas.

Ela tem as pernas musculosas, os braços desenhados com bíceps, zero de barriga e gordura, todos os acessórios que identificam um novo padrão de beleza carioca, a mulher de pagodeiro. É um ser muito diferente da Maitê que posou nua, mignon, delicada, em cenários da Itália, para uma edição da Playboy de 1983. Um exemplar da revista ainda está à venda numa banca de jornal da Rua do Carmo com Sete de Setembro, com o preço equivalente ao de 50 fichas. Para ver Carol, basta uma.

Maitê coloca a ficha na fresta da cabine e imediatamente surge à sua frente, protegida pelo vidro, a imagem de Carol, bem mais baixa do que sugere a foto no painel. Faz bocas, meneia o corpo, curva-se ao centro do palco.

Ela encara com ênfase um senhor careca na cabine seis, mas, quando vê a atriz na cabine ao lado, dá gritos de fã. Manda um adeusinho e, tipo fofa, deixa sumir todo o tesão que simulava diante do outro freguês. Vinte segundos depois, Carol recobra a razão sensual do ofício, pensa nas fichinhas que ainda precisa recolher e, profissional, oferece em direção à Maitê o seu repertório dramático. Não é muito. Alisa o corpo, se faz de frente, se rebola de verso, contorce-se agarrada ao mastro da pole dance e, poft, sua imagem desaparece. Cai a janela. Chegou ao fim o minuto da ficha de Maitê.
A atriz, que acabou de lançar o livro “É duro ser cabra na Etiópia”, sai da cabine. Um dos seus textos mais conhecidos é “Sessenta e nove”, uma crônica bem escrita e humorada em que faz críticas àquela fantasiosa, mas pouco prazerosa, posição sexual. Maitê acha que o “69” deixa muito a desejar. No peep show, ficou com a mesma impressão sobre a intensidade sacana do show das meninas. Não lhe pareceu mais sugestivo do que as evoluções de uma periguete nas quadras de funk.

Em tempos de internet, com todas as combinações sexuais ao toque de um dedo, o strip-tease atrás do vidro de Copacabana é uma cena que a qualquer momento a prefeitura do Rio, a mesma que já tombou o grito das torcidas, vai querer preservar como bem imaterial. Ficou um bibelô nostálgico, coisa do tempo em que havia certo e errado, culpa e pecado — e moça de família, como Maitê, se benzeria três vezes ao passar na calçada do peep show.

Nada choca mais. No edifício em frente, mulheres se oferecem para uma sessão de sexo completo por apenas R$ 20. Na locadora do peep show, o DVD mais retirado é o que tem na capa uma loura montada num cavalo e o título “Crazy horse”. E daí? O pervertido ficou permitido.

Maitê gosta de investigar o assunto, o eterno descaminhar da Humanidade, e ela agora quer saber do que vai pelos bastidores dessa aventura. Entra no camarim das strippers. É recebida com aplausos pelas musas das fichinhas, todas — tão Copacabana — absolutamente nuas. (continua)

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