Não foi por maldade ou qualquer brincadeirinha inconveniente.
Quando a moça me telefonou convidando para uma palestra sobre as questões
femininas e seus subúrbios contemporâneos, alguma ficha se precipitou do meu arquivo
de aço mental, e eu fui lusitanamente afoito.
Perguntei:
“Você é do
Clube do Charuto?”.
Eu nem sei
se existe uma organização dessas. Até imagino um encontro plasticamente muito
bonito com dezenas de mulheres entrecortadas por volutas de fumaça, o vermelho
de seus lábios ressaltando no espectro cinza da reunião, todas envolvidas não
por perfumarias francesas, mas um odor de tabaco, florestas, terras, vento nas
folhas e demais forças da natureza.
Acho que alguém do Clube havia
prometido me ligar. Não tenho certeza. Também andei folheando reportagem com
executivas de grandes multinacionais tragando seus havanas em um restaurante do
Leblon. Pode ter sido também por causa do álbum de Helmut Newton que eu acabara
de ver, onde há uma foto de Charlotte Rampling nua, com um Monte Cristo na
boca.
Não sei. Tem uma música do
Lupicínio que diz “o pensamento parece uma coisa à toda, mas como é que a gente
voa quando começa a pensar”. Sei lá.
Por algum motivo estavam coladas na
minha memória essas imagens fabulosas, de mulheres nem aí para o que pudessem
dizer da dubiedade de se associarem a um símbolo tão masculino – e o
inconsciente, incontrolável, ansioso, se precipitou. Juntou tudo. Achou que o
telefonema da moça vinha diretamente do Clube do Charuto, e ela estaria me convidando
para falar com o grupo.
“Você é do Clube do Charuto?” –
voltei a perguntar. Não sei se prejudicada pela precariedade dos celulares do
Rio ou por uma manifestação de elegância bem feminina, a moça dizia não ter
ouvido a questão da primeira vez. “Seria isso mesmo?”, ela estaria pensando. “Que
tipo de ideia este homem do outro lado do telefone quereria acender com a
exibição do charuto?”
Há o famoso quadro de Magritte
onde, abaixo de um cachimbo, ele escreveu “Isto não é um cachimbo”, conclamando
as pessoas a alargarem sua visão da pintura e fazerem circular novas fumaças
conceituais. Mas um charuto é um charuto, não há como negá-lo – e, graças a
Freud, assume proporções indubitáveis no imaginário de homens e mulheres.
Eu, por um ato falho que estou narrando
aqui só para ver se consigo entender o que aconteceu, eu estava colocando um
charuto aceso na boca de uma mulher que jamais vira – e ela, com toda razão,
parecia confusa diante daquela proposta.
“Como assim?” – devolveu a
pergunta, esboçando uma entonação no ponto certo de equilíbrio entre simpatia e
estupor. Com um meio sorriso, admitia a possibilidade de estar sendo confundida
com outra pessoa. Ao mesmo tempo havia um tom ligeiramente seco no jeito de, em
seguida, colocar a interrogação, sugerindo que havia entendido, e talvez não
achasse muita graça, a possibilidade de estar sendo vítima de uma piada machista
do programa “Zorra Total”.
A vontade que eu tive era de ir
assoprando para dentro, como se tragasse um charuto, cada palavra que havia respirado
pelo telefone até o delicado tímpano da moça. Temi que ela exigisse uma
explicação razoável por eu tê-la entronizado num clube tão hedonista, e retirasse
o convite para a palestra. Seria justo. Se em um minuto eu já havia feito
tamanha confusão, colocado em sua boca um dos mais vulgares símbolos da
falocracia internacional, imagina do que não seria capaz de disparar numa
conversa de uma hora, num auditório repleto de outras mulheres!
Eu tartamudeei obviedades, fui
fazendo com as palavras um moon walk verbal e, como se andasse para trás com as
frases, embaralhei desculpas, consegui apagar todos meus disparates.
Recomposto, fiz educadamente a
pergunta fundamental:
“De onde você é?”
As associadas do Clube do
Charuto, eu presumo, buscam no ritual da fumaça uma maneira de respirar as
aflições cotidianas. Relaxam. Querem alcançar com as espirais conseguidas pela
queima das folhas do fumo uma sensação de prazer e renovação. Continuo achando
um espetáculo de rara beleza, e um dia quero assisti-lo ao vivo.
A moça ao telefone, no entanto,
era de outra floresta existencial. Não pesquisava o futuro através do que
estava escrito na fumaça havana sobre a cabeça das fumantes. Olhava para o
interior da alma feminina, e queria que eu participasse desse exercício com uma
palestra.
Seu clube mergulha no poço das
emoções das mulheres em 2013, busca compreender o movimento de suas águas. Nem
melhor nem pior que o das extrovertidas Do Charuto, mas era um clube tão
diferente, voltado para dentro, que explodimos uma gargalhada dupla quando ela informou:
“Eu sou do Clube do Ser”.
Aceitei o convite para a palestra
e, numa última tentativa de ser engraçado, jovialmente pimpão, propus que os
clubes se unissem. Realizassem o sonho masculino do encontro entre a mulher
cerebral do Ser com as sensoriais do Charuto.
A moça do outro lado de telefone,
sempre elegante, ficou de levar a sugestão adiante.
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