É tempo de futebol, hora de
Felipão parar de comer a lasanha oficial da seleção brasileira e anunciar,
nesta quarta-feira, o grupo encarregado de vestir a pátria em chuteiras, os
caras que devem sair dando na cara de quem aparecer pela frente, da mesma maneira
que o uruguaio Obdúlio Varela deu aquela bofetada nos cornos do Bigode em 1950
e calou o Maracanã. Se foi verdade, se será mentira, não importa. Futebol no
Brasil é lenda que se desdobra, fibra por fibra, no coração dos torcedores.
Vale tudo, de preferência o drible da vaca, o gol de letra e a confirmação de
que o Sobrenatural de Almeida existe.
Pois chegou a hora de cofiar o bigode
grosso, de os garotos pararem de comer banana e mostrar quantos macacos são
necessários para levantar uma Copa dentro da própria floresta.
Derrubamos o Maracanã, apagamos o
passado de frouxos, e é tempo de futebol macho novamente, de dizer na cara da
Dona FIFA o que nós pensamos francamente de seus fricotes de dondoca suíça. “Vingança,
vingança, vingança, aos santos clamar!”, diria Lupicínio Rodrigues, o gremista
autor do hino “até a pé nós iremos para o que der e vier”.
É hora de convocar Caetano Veloso
e, na concentração da Granja Comary, fazê-lo cantar para os jogadores o
“Ninguém nos vence em vibração”, o verso fundamental que está no hino do
Esporte Clube Bahia e deveria estar bordada na tal cueca do Neymar. Depois, uma
gemada, uma oração a São Judas, e bola pro mato que é jogo de campeonato.
Vai começar
tudo de novo, 90 milhões em ação, Pachecos por todos os lados cantando “Voa,
canarinho, voa”, todos técnicos falando na eficiência do 4-2-3-1, pedindo que
os laterais joguem enfiados, que o time valorize a posse de bola e que na
grande arquibancada do céu a charanga rubro-negra do Jaime se junte ao talo de
mamona do vascaíno Ramalho – e, ripa na chulipa, que a nega esteja sempre lá
dentro, guardada debaixo dos três paus adversários.
Desde já estou ligado e, como faço
desde sempre, misturo as estações. Começo a ouvir na Rádio Memória as vozes dos
locutores Doalcei Bueno de Camargo, Oduvaldo Cozzi e Jorge Cury gritando que fulano
balançou a roseira.
Sexo. O futebol também é isso. “Bota
no meio, Malcher”, acrescenta sacanamente Orlando Batista, da Rádio Mauá, informando
aos meninos do Brasil que após o gol lá ia o juiz, sua senhoria Alberto da Gama
Malcher, colocar a bola no meio de campo para a nova saída.
Futebol no Brasil é uma maneira
de falar de tudo em voz alta. Tem sexo na “caneta” que os locutores veem o
ponta de lança meter entre as pernas do lateral, tem saliência no atacante que
estufa o véu da noiva e também no drible “vem cá minha nega”. Em 2014, o
futebol subiu ao palanque. Vai falar de política e decidir em julho, com a bola
rolando, quem levanta o caneco da presidência da república em outubro.
Eu diria, a propósito, que vai
ter Copa. Não vai ter aeroporto, nem obras no entorno dos estádios, porque o
dinheiro, como a Jules Rimet de saudosa memória, derreteu na mão dos bandidos.
Mas ouvi de uma lenda urbana credenciada, atrás do gol de onde Ghiggia nos
tirou a taça de 1950, que da mesma maneira que subornou o Ronaldo para ter a
convulsão de 1998, a FIFA está em conversações adiantadas com os black blocs.
Quer que eles adiem as manifestações para agosto, o mês que os brasileiros
reservam tradicionalmente para seus desgostos. A Copa aconteceria, mas a final
contra o Brasil – e aí entra a contrapartida da FIFA para os anarquistas – seria
decidida por um gol de Messi, o que facilitaria o ódio popular para o
quebra-quebra nas ruas.
A investigar.
O certo é que chegou a hora,
macacada, e quarta-feira, depois do anúncio de Felipão, vai acontecer de novo
aquela mistura das lendas da nação com as idiossincrasias pessoais. Não se
falará de outra coisa. Haverá quem se lembre de Tostão, quase cegueta, centrando
de costas para o gol contra a Inglaterra – e isso será usado como exemplo em aula
de superação. Haverá quem, no bafo-bafo com as figurinhas do álbum da Panini,
emule um Pelé travesso e, do mesmo jeito discreto que o Rei deu a cotovelada no
lateral uruguaio de 1970, passe cuspe na palma da mão para revirar a figurinha.
“A vida é um torneio mata-mata
decidida no gol da morte”, dirá um intelectual
numa palestra culta na Livraria da Travessa. Ele responderá assim, vago
e arquibancaldo, a alguém que pergunta como “evitar os inimigos que insistem no
carrinho por trás¿”. Eu diria para não se preocupar tanto com o jogo. Cego em
futebol é aquele que só vê a bola – e mais eu não sei, mais não digo, porque
ouço, diretamente da Rádio Memória, a voz de Waldir Amaral gritar o angustiante
passar do tempo com o bordão filosófico de “O relógio maaaaaaaarca”.
O tempo regulamentar está
esgotado.
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