No dia em que eu conheci o restauranteur
Rogério Fasano, ele chamou à nossa mesa o garçom que acabara de servir um grupo
de executivos logo ao lado. O tom que usou na conversa era paternalmente
carinhoso, mas administrativo. Rogério ouvira o garçom perguntar a cada um dos
homens se eles queriam café, se eles queriam do tipo carioca ou expresso, se
preferiam curto, se descafeinado – e se com açúcar ou adoçante. Dono de uma
rede de hotéis e restaurantes com todas as estrelas possíveis, Rogério é um
empresário com faro fino para o comportamento humano. Vive da soma dos números
e dessas idiossincrasias quase etéreas. Explicou ao garçom que aquele
questionário era excessivo. Um freguês ia ao restaurante para relaxar com os
amigos, não para responder a intermináveis perguntas do garçom. Seja breve,
curto e simples, pediu ao rapaz. “Café?” - e pronto. Cada um juntaria suas
preferências à resposta, se com leite, se amargo etc. Achei interessante, mas
não me servia a lição. Pelo contrário. Aguçava a realidade de que minha
profissão estava do outro lado da mesa – e comecei a fazer dezenas de perguntas
a Rogério sobre o treinamento de seu pessoal. Ele riu. Disse que como repórter
eu seria um péssimo garçom.
No dia em que eu conheci Maitê
Proença estávamos numa roda de íntimos e a conversa imediatamente descambou
para as mais escabrosas histórias da sexualidade humana. A atriz rotulava os
encontros carnais de “treps”, acompanhando a expressão com aquele gesto de mão
que tornou famosa a apresentação do cantor Jair Rodrigues no pré-rap “Deixa que
digam, que pensem, que falem”. Maitê tem humor e, também escritora, persegue
assuntos. Juntei a fome com a vontade de comer, expressão que ela achou
apropriada, e convidei-a, sem dupla intenção, sequer dupla penetração,
expressão com que arranquei novas risadas dela, para irmos ao peep-show logo na
outra esquina. As strippers se dedicavam àquele ritual enfadonho de arrebitar o
bumbum e auto-alisar as partes, até que viram Maitê na plateia. Começaram a dar
gritinhos de fãs, mas ficaram mais acanhadas ainda em botar fogo no show. No
camarim, curiosa por tudo que se refere à sexualidade dos humanos e afins, Maitê
viu o piercing cravado na genitália de uma das moças. Fez questão de segurar
nele. Puxou um pouco. Perguntou se doía. A resposta da moça eu prometi deixar
com exclusividade para Maitê. Deve estar no seu próximo livro.
No dia em que eu conheci Otávio
Ribeiro, o famoso repórter de polícia, ele chegava do Chapéu Mangueira e a sua
bota, suja de lama, desenhava pegadas no carpete da redação. Conhecido como
“Pena branca”, por causa do chumaço grisalho em meio à cabeleira negra, Otávio
transbordava lama do morro e as filosofias da sua dura existência. Foi garoto
pobre, mal aprendera a escrever. Desenvolvera, no entanto, um faro descomunal
para a notícia, além de deliciosa capacidade de se fazer querido pelas fontes. O
homem era a mais completa poesia da malandragem, capaz de acionar sua
metralhadora verbal e disparar frases inteiras em que os ouvidos cultos não
reconheciam uma única palavra dicionarizada. Dizem que a polícia dos anos 1960
o obrigou, e a mais uns 10 repórteres, a atirar no corpo de Cara de Cavalo para
tornar todos cúmplices na morte do bandido. A vida tinha sido enérgica com
Otávio “Pena Branca” Ribeiro. No dia em que eu o conheci na redação, ele estava
ciente do fortuito da existência – e, impressionado com os meus óculos de
intelectual, cobrava sabedoria racional. “Explicaí, ô ‘piroca’”, era como ele
chamava carinhosamente a todos. “Eu fui criado na bandidagem, tinha tudo para
estar do outro lado do parlapatório atirando azeitona, azeviche, o escambau, em
cima de você. Quem me trouxe aqui pra dentro desse confofo de ar e
refrigério?”. De sacanagem, para falar complicado também, devolvi: “Quem sabe-lo-á,
Pena Branca?” – e nos ensimesmamos na ignorância de nossos verbos.
No dia em que eu conheci o
compositor Mano Décio da Viola, um dos fundadores das escolas de samba do Rio,
eu anotei a glória deste encontro e também o fracasso que a ele se sucedeu. Eu
começava a escrever o texto da reportagem quando recebi, na redação da revista
onde trabalhava, a nova edição da semanal concorrente, que trazia uma matéria
bastante parecida com a que eu ia escrever, sobre o renascimento cultural que
havia em Madureira, o bairro de Mano Décio. Imediatamente eu fui ao telefone
para tranqüilizar, em São Paulo, o editor Elio Gaspari. A concorrente saíra com
algo parecido, eu disse, mas nós arrasaríamos, publicaríamos na próxima semana
um texto muito melhor, pois Mano Décio havia me contado memórias inéditas da
criação das escolas etc. Gaspari, paciente como sempre, deu numa frase curta um
curso de jornalismo. “Pode esquecer a matéria, Joaquim. Vai dar a impressão de
que somos melhores, mas eles são mais rápidos”. Telefonei para Mano Décio com o
pedido de desculpas. O grande sambista deu razão ao Elio.
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