Querida Maitê Proença, eu, que
sempre te sonho, tenho te visto agora – com a excitação benigna de sempre, o
coração na ponta dos dedos – no vídeo do “Extraordinários”, a melhor mesa
redonda de futebol que as televisões colocaram no ar para discutir esta Copa.
Quem te escalou no time desses
sabichões da bola entende da essência do jogo. Futebol é só pretexto, o
antepasto e tira-gosto para se discutir o resto do mundo. Desencana, meu amor,
se o 4-2-3-1 te é uma impossibilidade intelectual. Ninguém precisa saber a lei
do impedimento ou chorar pitangas porque o futebol moderno acabou com os
cérebros do meio de campo. A vida, e é disto que se está falando no programa, vai
muito além.
Quando a bola rola, e você,
escritora sensível, vai
me desculpar a aliteração vulgar que me sai da caixola
– quando a bola vem na nossa direção, assim como foi na direção do Suárez no
primeiro gol do Uruguai contra a Inglaterra, a gente tem que fazer como ele.
Dar um tempo diferente na passada, um falso passo que desloca toda a zaga
inimiga e te permite cabecear de curva, meter na transversal – “de ladinho”,
como diria o seu companheiro “extraordinário”, o último romântico Xico Sá.
Futebol é só a melhor maneira de
começar um papo sobre o que interessa, e não à toa vocês têm falado muito de
sexo – se é que eu já não estava dormindo, sonhando, quando alguém aí disse que
gostaria de conhecer o Pirlo, o mais velho jogador de linha da Itália. Não sei
se foi você, doce Maitê. Eu talvez tenha misturado tudo, me lembrando do teu ensaio
para a Playboy num vilarejo italiano. Não sei se foste tu a dizer, mas podê-lo-ia,
se me permites misturar todos os tratamentos e, tu ou você, abusar da nossa intimidade
com a língua.
Uma vez, com a sinceridade bem
humorada que caracteriza seus textos, você escreveu sobre os inconvenientes do
“69” entre as práticas sexuais. A relação custo-benefício não te empolgava,
pois haveria uma extenuante pirotecnia acrobática com resultados discutíveis
para a gratificação proporcionada. Pois, Maitê, o Pirlo é o anti-69. Zero de
exibicionismo. Ele faz o que precisa ser feito. Enfia a bola onde ela deve cair
e com aquela simplicidade gostosa das boas coisas da vida. Tudo na base do
papai-e-mamãe clássico, com muito beijo na boca. Ao final, oferece mais. Corre
para o abraço, com o indispensável café com leite que na manhã seguinte abençoa
os amantes pacificados.
Você sabe disso tudo melhor do que
eu, melhor do que toda a bancada de seus colegas. Quando não sabe, quando se
faz de songamonga admirativa ante o enciclopedismo futebolístico deles – e
pergunta se o baixinho francês Valbuena pode dar conta do recado com a mesma
eficiência que o enorme Balotelli – aí então você fica mais irresistível ainda.
E fica irresistível porque
visivelmente você sabe a resposta. Está apenas dando uma chance de os rapazes
mostrarem sabedoria. O futebol é uma das oportunidades de os homens feios, os
baixos e os de pernas tortas tornarem-se deuses. No sexo é a mesma coisa.
Quantos desparagonados pela sorte dos grandes atributos físicos dos músculos e dos olhos azuis se superaram na hora agá, na
hora do vamuvê, e você os saudou aos gritos e sussurros de “meu batuta campeão”?
Machos adoram impressionar
meninas exibindo a cultura peladeira que recolheram pela vida. Deixe o
insopitável Eduardo “Peninha” Bueno contar, e não há na TV ninguém contando
histórias melhor do que ele, que o Argentina e Uruguai de 1930 foi jogado em
cada tempo com a bola de cada país. São meninos. Viram “Papai sabe tudo” e
acreditaram. Não temos muitos brinquedos. Somos capazes de passar a noite discutindo
se a deixada do Pogba para o Benzema, no quarto gol da França, foi igual a do
Pelé para o Carlos Alberto em 70 ou a do Romário para o Bebeto em 94. Não se
impressione, Maitê. São nossos truques. Como diria, parecido, aquela música do
Leoni, “Garotos”: é apenas um esquema tático feito para driblar a emoção.
Enfim, querida, vocês estão
fazendo o mais original programa desta temporada, pois tiraram a conversa sobre
futebol do tatibitate adolescente com que o assunto vem sendo tratado em outros
canais. É preciso atrair a audiência feminina, estou de acordo, e eu li uma
pesquisa dizendo que há mais mulheres do que homens assistindo às partidas. Mas
não basta escalar repórteres pseudamente malandrinhas, cariocas ixpertas que
chiam nos plurais e balançam o corpo como se estivessem conversando, eternas adolescentes, com o vendedor de mate na
praia. O ambiente do futebol é como a gafieira antiga. Exige respeito.
O “Extraordinários”, capaz de explicar
a lentidão da seleção japonesa a partir da lentidão dos filmes do Kurosawa, é
um gol de placa (veja o verbete “Pelé contra o Fluminense em 1961”). Deveria
ser mantido na grade do SporTV mesmo depois desta Copa incrível, de gols quase
tão bonitos quanto você – se é que você me permite o elogio de boleiro
desajeitado, essa maneira meio Rooney, meio Hulk, de chegar assim, tão ogro,
tão intempestivamente goleador, na zona do agrião.
A propósito, Maitê, você sabe
onde fica a zona do agrião? E onde a coruja dorme, você dormiria¿
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