O país da ‘falta tática’ (09/06/2014)



Meu caro Paulo Cezar Caju, seja bem vindo ao time. Folgo te ver, craque do balão de couro, no árduo ofício de bater uma bolinha de palavras com os leitores do GLOBO, esses adoráveis boleiros do papel, da tela do computador ou de qualquer mídia que tenham inventado nas últimas 24 horas. Não temos preconceito de plataforma, meu bom Nariz de Ferro. Queremos jogo e textos, letras e passes, desde que tudo isso venha com estilo – e você, seja na vida real ou na sua profissão de mágico, você sabe bem como se mata no peito com estilo e se conjuga esta palavrinha de poucos sujeitos.
O mundo tem girado mais rápido do que as rodas da Lusitana, mais rápido do que o giro do Pelé em torno do Mazurkievski. Nada contra, e eu daqui saúdo o chip que colocaram dentro da bola para ela própria apitar o gol. Aparece uma tecnologia nova a cada minuto, algo tão imensurável quanto o número de embaixadinhas que você dava no meio de campo para mostrar quem era o dono do pedaço e desestabilizar o adversário.
Viva o mundo novo, viva a camiseta que não pesa com o suor e até mesmo viva essa cafonérrima chuteira de cano alto, alegria dos jogadores que ainda não podem usar o salto alto. O que importa, e é o que me faz enviar de público essas mal traçadas linhas, o que importa mesmo é a derrota do gênio humano envolvido nesse espetáculo. Acho que tem Vale do Silício demais e Pau Grande de menos, meu caro Caju. Muito Steve Jobs e pouco Ademir da Guia – se é que me faço claro nessa mistura de informática e 4-2-4.
Fiquei deveras sensibilizado, e daqui agradeço penhorado, quando você, numa das colunas do seu blog, juntou-se a mim no embate contra os chutões, o carrinho sem freio e o sono avassalador que toma a todos que assistimos aos jogos do campeonato brasileiro. Que chatice, meu caro! Na coluna, você me abraça e comenta nossa solidão, rotulando-nos de os últimos românticos do futebol. Lamenta que “os dobermans estraçalharam a poesia no futebol”.
É a pura realidade, grande Caju, e você vai me perdoar se esta carta segue numa confusão enorme de tratamentos, misturando tu com você, sem qualquer cerimônia. Desculpe a pressa, mas hoje não tem copidesque. Move-me a pena apenas o desabafo sincero. É que acabei de ver o jogo do Brasil contra a Sérvia – como estamos chatos!
Como, depois do nunca assaz citado drible da vaca do Pelé no goleiro uruguaio, depois do Ronaldinho bater a falta por baixo da barreira para aproveitar o pulo dos adversários – como, depois de todas essas genialidades que formaram o caráter da nação – e junte a isso o passe de 40 metros do Gerson na medalha do Jairzinho, a bicicleta do Leônidas – como, depois de termos construído um país a toque de bola, ficamos satisfeitos em ser essa seleção de jogadores apenas regulares de 2014?!!
Me desculpe, grande ponta esquerda do Brasil e Inglaterra de 1970, eu ter ressuscitado o ponto de exclamação, essa bengala com que os velhinhos batem na mesa para chamar a atenção do distinto público. Perdão pelo obsoletismo da pontuação. Mas quando a salvação da lavoura está em trocar o Oscar pelo Willian – definitivamente é preciso usar todos os recursos para se fazer notar!
Ou ninguém percebe, Caju, o pavor instalado nos olhos do Júlio Cesar, perenemente em pânico por não ter entendido até agora, depois de ser reprovado em todos os times da Europa, como conseguiu o emprego de goleiro da seleção brasileira?!. A cada saída apavorada que faz do gol, chocando-se feito um doido com os zagueiros, ele parece dizer “por que eu?! Me tirem daqui!”
Nunca fomos tão medianos no futebol, com a exceção do instável Neymar, e isso é triste para quem passou a vida mirando-se no exemplo da ousadia dos jogadores de futebol. Éramos os malucos, os inventores da pedalada, do elástico, do passe de três dedos, da trivela e outras mumunhas que me escapam pela linha de fundo. Éramos todos, não só nós dois, os românticos da bola. Hoje somos elogiados pela suprema capacidade de cumprir em campo o esquema de marcar sob pressão traçado pelo Felipão. Haja suor!
Enfim, PC, já não fazemos gol de letra. Depois de ganhar a Copa das Confederações com um gol deitado, voltamos a fazê-lo, como se nos fosse o novo patrimônio e orgulho. Somos os novos alemães, enquanto eles são os novos brasileiros – e vou terminando por aqui, com um abraço e recomendação aos seus, porque acabei de me lembrar do Ronaldo Fenômeno! E infelizmente já gastei todos os pontos de exclamação que o GLOBO distribui aos colunistas para gastarem em um ano de texto.
Pois não é que o ex-grande atacante, depois de passar a vida esculachando as defesas adversárias com a genialidade de seus dribles a 120 por hora, ele agora está na TV justificando os pontapés do David Luiz como esquema de jogo? Diz que é “falta tática”. É mole, Caju?

*Leia aqui o texto de Paulo Cesar Caju sobre a crônica de Joaquim Ferreira "Minhas figurinhas"

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