Agradeço penhorado a todos que
percebem nos recônditos da minha figura taciturna aquele eterno garoto
suburbano, um sujeito sempre brincalhão e disposto a largar tudo pela pândega.
Deve ser por isso. Profundamente comovido com essa percepção, que me agrada e acima
de todas as outras me explica, eu digo obrigado de coração pela insistência dos
convites.
Gosto de achar que nesta
atividade pública de despejar palavras ao vento e tentar fazer com que elas
soem lúdicas, eu emulo nas entrelinhas o estilo de alguém escrevendo de
bermudas. Um moleque folgazão. Alguém que cresceu, arquivou o pião e a bola de
gude, mas inventou um novo brinquedo – e dá a ele ares de um jogo intelectual,
um Lego onde se montam castelos com o encaixe de blocos de frases.
Enfim, agradeço a todos que, de
um jeito ou de outro, me têm nesta vibe
feliz, de alguém disposto a levar a vida como ela deve ser, guiada pelos
prazeres dos brinquedos ou do que cada um rotule como tal.
Frank Sinatra tinha na porta de
um dos quartos da mansão em Palm Beach a frase “Quem morre com mais brinquedos
ganha”. Era ali que guardava sua coleção de trenzinhos de plástico. Viajava
neles para longe do showbizz, da lista dos discos mais vendidos, das
aporrinhações com a Máfia e das brigas com a Mia Farrow.
Estou de acordo. A necessidade de
zerar o QI é fundamental para em seguida se colocar o trem no embalo exigido
pelo trabalho – e por isso louvo a lembrança, enviada junto aos convites, de
que o ócio é criativo. Leiam na minha camisa: a preguiça nos é senhora e bicho
de estimação.
Muito obrigado mesmo. Percebo emocionado
o carinho por trás da insistência para me juntar ao que se julga ser um novo
brinquedo, agora envolvendo a fantasia digital. Dou força, mas, desculpem o mau
jeito: desta vez eu passo.
Eu não quero jogar Candy Crush
Saga.
Deve ser
uma prática dígito-esportiva deliciosa, porque seus adeptos piscam eufóricos na
tela do meu computador com desenhos coloridos, carinhas divertidas. A todos
invejo a ênfase, sou-lhes cúmplice à distância. Esses jogos soam como promessas
de felicidade dispersiva, teoricamente bem vindas a um adulto como eu, carente
da benesse do descompromisso.
Os convites
para jogar Candy Crush são benignos. Eu reconheço a legião da boa vontade ao
redor deles. Obrigadíssimo. São amigos internéticos enviando boias salvadoras com
o subtexto de “ei, dá um tempo”, “ei, vai com menos sede ao pote”, “ei, calma
com o andor que o santo é de barro” – ou qualquer outro desses lugares comuns pacificadores
da pressa e hoje colocados fora de moda pelo vitorioso marketing do estresse
nosso de cada dia.
Numa tarde
longínqua, o editor Elio Gaspari me disse, gentil, que, da crítica onde eu
esculhambava um cantor da MPB, ele tinha retirado toda a parte esculhambando os
fãs do mesmo. “Eles não têm nada com isso”, ensinou. “Estão se divertindo,
gostam daquilo, e devem ser respeitados por esse prazer”.
Eu não jogo
Candy Crush Saga, da mesma maneira que desconheço o Pet Rescue Saga, o FarmVille,
o Dragon City e demais games do Facebook. Nada contra. Sou capaz de encarnar o black-bloc
mais radical no ataque aos que esculhambarem seus ativistas. Trata-se da
população que mais cresce no planeta. É uma multidão querendo escapar do
power-point, na contramão dos memorandos internos. Enquanto o RH pede “foco”, o
jogador do CoasterVille quer fugir dele. Quer se desfocar da ordem do dia.
O Candy Crush é a versão 2.0 do
cafezinho da repartição, do drible no chefe e no dedo na cara dizendo que “é
pra ontem”. É o aceno da multidão que abre uma janela na tela de trabalho, vê a
correria neurótica lá embaixo e puxa o grito de “menos, macacada, menos”.
Eu agradeço
o apreço sincero que se encerra em todos os convites – entre o início do texto
e este momento já me chegaram dez novos. Pedem companhia também para ChefVille
e o Bubble Witch Saga. Não posso. Entendo o gesto como uma necessidade de parceria
solidária nesse itinerário de leveza pelo ar pesado dos tempos. Tudo bem, mas prefiro
não.
Estamos todos muito sozinhos, o
dia inteiro diante do computador, o escritório 24 horas que nos colaram nas
costas. O convite do Candy Crush, no entanto, é uma armadilha. Tenho a
impressão, tão onipresentes eles são, que esses bonequinhos dos jogos é que
comandam a partida. Divertem-se entre eles. Disputam quem consegue manter
humanos por mais tempo conectados e longe das brincadeiras de outrora, dos
jogos de rua, dos folguedos de salões, e todas as demais gandaias proporcionadas
pelo convívio corpo a corpo e a amizade cara a cara.
Eu prefiro convidar a todos para jogar
Papo Furado Crush Saga ou Botequim da Esquina Ville. Vence quem desligar primeiro
a nova máquina de fazer doido.
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