Rogai por nós, Frei Luiz, digo, joga
por nós, David Luiz, porque chegou a hora de deixar de lado esse orgulho do
jogo bonito, esse lepo-lepo futebolístico de bater com três dedos, humilhar o
próximo com o drible da vaca e todas as demais miçangas que sempre adornaram o
nosso colar de mágicos do ludopédico.
Chegou a hora do vamuvê, do
ripanachulipa e todas essas expressões na contramão do que a classe de Nilton
Santos e Gerson nos acostumaram. Fazer o quê? Não tem tu, vai tu mesmo – e
deixa que digam, que pensem, que falem. Vamos juntar essas vulgaridades clicherosas
da várzea brasileira e rimar chulo com o tatu que lhe é símbolo. Foram-se os
craques. Vamos mostrar que se não temos Pelé, e a nossa versão 2.0 dele está no
hospital com a coluna quebrada, vamos de zagueiro voluntarioso, de bola rifada
e gol de canela.
És o novo Deus da raça, David
Luiz. De ti esperamos que espane os adversários para longe da grande área, comece
a ligação direta com o ataque e, como jamais te faltará pulmão, faça o que
homem gol lá na frente não está conseguindo. Estufe o véu da noiva, balance a
roseira. Realizados teus doze trabalhos, tenha certeza, Hércules sarará, que
ninguém mais te criticará a cabeleira.
Teu futebol de maus modos, tatuado
com o bordão de “bola pro mato que é jogo de campeonato”, é o que temos a
declarar desta vez. Não mais o elegante Juan de 2002, mas um zagueiro do
Chelsea fazendo o que é costume na Inglaterra. Indo de chanca, sorrindo com as
travas da chuteira à mostra. That’s Brazil – e é com esse que eu vou.
Chega de carregar nas costas a
missão de alegrar o mundo, como se fossemos os eternos Trapalhões da FIFA. Mudou
a atração, senhoras e senhores. Hoje não tem marmelada, não tem elástico do
Rivelino, pedalada do Ronaldinho ou gol de bunda do Túlio. Que a grande plateia
planetária pegue seus lenços e enfie o Isordil embaixo da língua, pois lá vem
drama. Esse é o jogo que se oferece para a atual temporada. Não mais chanchada,
mas ópera futebolística. É a vez de mostrar ao mundo o futebol shakespeariano
que Nelson Rodrigues inventou nas crônicas no GLOBO.
É hora, David Luiz, de superar a
nossa tão evidente falta de classe em 2014 e, como numa cena de adultério do
Nelson, trair a fidelidade clássica aos ditames da boa técnica. Sem constrangimento,
mete o pé na bola como tu fizeste no gol contra os colombianos. Bate de chapa,
com força, e torce para que no meio do caminho os deuses do futebol, o espírito
de Didi eternamente abraçado com o da Guiomar, transformem aquela porrada
desvairada na mágica de uma folha seca – e o balão de couro descaia brasileiramente
absurdo, no momento exato em que todos pensavam estar indo pela linha de fundo.
Temos repertório para qualquer
arena e este, chinfrim, devido às circunstâncias, é o da companhia para o ano.
Já se passaram cinco jogos, ó grande zagueiro da nossa honra futebolística. Eu
perdi a esperança de ver novamente, como naqueles filmes em preto e branco da
Copa da Suécia, a mulher se levantar na arquibancada para, de boca aberta,
olhos estupefatos, aplaudir às gargalhadas uma jogada maluca do Garrincha.
Hoje não sabemos apresentar qualquer
esquete de diversão em campo. Reina o drama. Há uma psicóloga clinicando por
e-mail, um goleiro chorando de solidão diante do batedor de pênalti e um
técnico mal humorado que mistura instruções táticas com frases de auto-ajuda. Em
1970, a música de apoio era “Pra frente, Brasil”, marchinha carnavalesca do
Miguel Gustavo. Agora é um hino de guerra sobre a liberdade em raios fúlgidos. Já
fizemos o mundo sorrir com nossa mania de encarar o jogo com alegria. Desta vez
somos Drama Futebol Clube – e foi aí que eu resolvi entrar em campo no mesmo
estilo fazendo esta oração.
Quando vi o nosso menino morto
com a joelhada por trás, eu percebi que dessa vez estamos mais para 1994. O
Zinho rodava o meio de campo como se fosse uma enceradeira enguiçada – e
vencemos. Em 1982, o Falcão abria as pernas para que a bola passasse, tirasse a
defesa russa da jogada e o Eder enfiasse um canhão genial para dentro das redes
– e perdemos.
Neste mês de julho, resolvi que não
sonho mais.
Escrevo-te esta oração, este “Pai
Nosso” de boleiro, os tratamentos pessoais misturados, para que o grande
zagueiro dos nossos maus bofes recite quando estiver agradecendo aos céus um
gol contra os frios alemães, esses racionais superiores que nunca apara que o grande
zagueiro dos nossos maus bofes recite quando estiver agradecendo aos céus um
gol contra os frios alemães, esses racionais superiores que nunca apontam o
dedo para Ele na hora da comemoração. Eu te libero, em nome do Pai, do Filho e
do espírito do Ademir da Guia, da maldição de jogar o fino, este carma que nos
obriga ao maravilhamento quadrienal da Humanidade desde que Pelé se apresentou
ao planeta, na Copa da Suécia, com aquele balãozinho sobre o beque do País de
Gales. Eu te libero, David Luiz, das críticas inevitáveis, das cornetadas que
os jornais vão assoprar no dia seguinte à grande vitória. Seja grande e perdoa
os que preferem a derrota. Seja grosso, seja herói.
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