No dia em que eu conheci Marina Lima, a cantora estava lançando o seu primeiro disco, um primor artístico na concepção de uma nova maneira de cantar. Isso foi tão antigamente, uma data tão perdida na memória, que na verdade nem era um disco como se conhece hoje, mas um compacto, aquele pequenininho, ainda vinil, com uma música de cada lado. Rolou tudo bem na conversa, mas alguma coisa aconteceu com a matéria publicada. Marina reconheceu no texto mais material sobre “a gata cantora” do que sobre “a cantora nova” – e, contrariada, no primeiro encontro ameaçou fazer ao vivo uma crítica à altura. Num desfile de escola de samba, ao me ver passar sob o seu camarote, ela fez um esgar de fúria, pegou o copo que estava ao lado e fez menção de atirá-lo sobre minha frágil pessoa. Eu levei um susto. Garoto treinado nas artes marciais das ruas suburbanas, fiz uma esquiva antecipatória – mas a cantora refugou na sua intenção de vingança. Trinta anos depois, sem me citar o nome, Marina escreveu a história para uma revista semanal de São Paulo. Era um texto fofo. Falava da sua falta de coragem para pedir desculpas, mas tratava-se praticamente de um ato público de arrependimento. Saiu sob o título “Ameacei bater num jornalista”, dentro da seção “Meu erro”. Hoje, se eu fosse dar um título a este pequeno texto que ora perpetro, eu escreveria: “Magina, Marina! Erro meu!”.
No dia em que eu conheci a atriz
Xuxa Lopes ela estava linda, deitada em cima de uma mesa, brincando com um gatinho,
e isso tudo ilustrava uma foto que eu imediatamente botei na edição do jornal
do dia seguinte, tamanha a beleza da composição, luz e astral. Xuxa adotara o
gato, encontrado no meio da rua – este era o tema da notícia. Nas primeiras
horas da manhã do dia em que o jornal foi publicado o telefone tocou na redação
e era Xuxa Lopes querendo falar comigo. Todo mundo gosta de elogios. Eu
preparei meus tímpanos leoninos, jamais cansados deles, e saudei a atriz com o
meu alô mais vibrante. Qual não foi a minha surpresa em ter como resposta um
imediato “mas como é que você faz uma coisa dessas comigo?!!!”. Xuxa estava
contrariada. Achara-se gorda. Um amigo ligara de São Paulo exigindo que
malhasse abdômen. Eu, a foto na mão, só repetia que não era verdade, ela estava
perfeita – mas logo a ficha caiu. Não era uma reclamação editorial. Fotos são
espelhos de leituras particulares. Eu já tinha visto outras mulheres igualmente
lindas querendo, por motivos que só a emoção feminina reconhece, quebrar seus
espelhos. Calei minhas defesas. No dia seguinte mandei flores, na certeza
editorial de que a mulher Xuxa Lopes entenderia a linguagem carinhosa delas.
No dia em que eu conheci Marcélia
Cartaxo, a talentosa atriz de “A hora da estrela”, ela ainda não sabia que
sairia daquele festival de cinema, o de Gramado, merecidamente premiada como a
melhor da competição. Eu também não sabia que sairia dali premiado numa
categoria que muito me orgulharia, mas para a qual eu não concorri. Tudo
começou quando eu e Marcélia, a quem já conhecia de outros festivais, tomamos
um sorvete de casquinha, sentados num dos bancos da principal praça da cidade.
A conversa fluiu, animada pela tradicional julgamento que fizemos da Humanidade ao redor, e com a conclusão de
sempre. Não havia jeito. Ninguém prestava. Poucas horas depois, na sala de
imprensa, eu passava um texto pelo telex quando vi na mesa ao lado uma foto
minha e de Macabeia, a personagem de Marcélia no filme. Os dois lambiam com
evidente satisfação os seus respectivos sorvetes. A nossa imagem estava sendo
transmitida para um jornal de Porto Alegre com a informação de que era o novo
par romântico do festival. Eu, pasmo, tinha passado para o outro lado do
balcão, vítima da velha praga da má apuração. Procurei o repórter e
delicadamente disse que não era verdade. Perguntei se ele não conhecia a frase
da Gertrude Stein, de que “uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Pois então. Um
sorvete, eu lhe disse, é um sorvete é um sorvete. Ele pediu desculpas e, na
minha frente, passou outro telex cancelando a notícia. Dias depois, eu já no
Rio, um amigo gaúcho me liga às gargalhadas. Estava diante de um jornal de
Porto Alegre. Adorou minha foto chupando sorvete e, mais ainda, a legenda filosoficamente
esclarecedora: “Amizade lambe-lambe: um sorvete é um sorvete é um sorvete”.
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