Na hora de votar (08/09/2014)



A todos esses senhores e senhoras de honra impoluta que têm aparecido aqui em casa, veementemente determinados em me convencer de que não querem outra coisa se não arregaçar as mangas e, telha por telha, obrar o hospital com médicos de última geração que me manterá o pâncreas em ordem por mais um século – a todos eles eu devoto o voto da minha mais profunda desconfiança.
            Ponham-se daqui, digníssimos decididos em encher a boca para falar da nova política, dos projetos sociais que erradicarão a miséria nacional e até mesmo os gritos preconceituosos de “viado” nas arquibancadas. Ponham-se longe da minha audiência, senhoras e senhores sobre os quais nada consta até o momento, nada se provou nos autos, mas algo me diz que é bom ir com calma e esperar pela edição de amanhã dos jornais.  
            Eu sei que um dos senhores é cordeiro de Deus, o outro é obreiro da Palavra. Sobre todos eu esparjo meu turíbulo de fé e candomblé, pois ouço compungido como se sacrificarão, em muitos casos com o risco da própria vida, para livrar o povo brasileiro da criminalidade e do assédio das bundudas do BBB. A todos vocês, candidatos a excelências, eu lanço o contundente escrutínio de quem já viu Cacareco, Tiririca, Collor e mensalão. Só tenho a declarar que: “comigo não, violão”.
            É do direito constitucional de todos os senhores e de todas as senhoras pedirem a nacionalização da bauxita refratária, de mostrarem-se indecisos entre apoiar a homofobia ou a homofolia. Definitivamente nada tenho contra a mudança das marés opinativas de cada um. Também não comento a idiossincrasia fofa de segurar no colo as criancinhas e bater, gente boa, nas costas dos bravos comerciantes que fazem a economia crescer a partir do esforço diário nas barracas da Uruguaiana. Sorriam para a câmera da esquerda, apertem os ossos. Apenas peço que me poupem desta euforia de fraternidade e progresso.
            Divirtam-se nesse grande teatro eleitoral, todos juntos na certeza de que uma biografia se faz assim, uma mentira aqui, outra mentira acolá. Quando se vai ver, temos o mundo acreditando no surgimento da nova verdade e dizendo que já era tempo, depois das brochadas da vassoura do Jânio, da espada do Lott e daquilo roxo do Collor, de alguém com régua firme para redesenhar o Brasil.
Sobre todos os senhores e senhoras, abnegados defensores da família brasileira e do respeito aos cofres públicos, eu aciono com ênfase o rigor da mais veemente tecla mute. O silêncio eleitoral faz bem, pois sei da minha fragilidade diabética diante dos elogios ao homem morto e de como os cidadãos vivos herdarão as benesses de seu sacrifício cívico.
Longe de mim querer empanar o brilho constitucional de todas essas carreatas que se movem sobre as rodas da honradez, da virtude e da ética ilibada. Prossigam, tudo anda bem com Bardhal. Nunca se viu tanta probidade e denodo legalista. Homens e mulheres transmitem pelos cinco mil alto-falantes suas convicções de que chegou a hora. Surgirá em cinco de outubro, uma semana antes da festa da padroeira, uma nova geração – depois de Arruda, Garotinho e Maluf – disposta, mesmo depois dos canapés da posse, ao milagre de erradicar a corrupção das práticas nacionais.
A todos os que me tentam colocar nas mãos um santinho com a tinta quente dessas causas públicas, com a clemência justa pela redistribuição dos bens sociais, eu digo civilizadamente que não, muito obrigado – e elogio os crentes. Parabéns, digo, mas minha religião e decepções passadas não permitem chegar a tanto.
Fiquem à vontade. Criacionistas pela manhã e abortistas ao cair da tarde, vibrem a democracia conforme as necessidades de suas alianças parlamentares. Mas, senhores e senhoras em busca do capilé orçamentário, mantenham distância regulamentar da minha alma sensível. Locupletem-se a rodo. Não se distraiam com pudores mesquinhos que lhes atrapalhem o duro ofício e a arte do meio-a-meio. Tudo pelo Brasil. Só não contem com meu sufrágio digital. Política, dizia Millôr, é a mais antiga das profissões. Sacanagem, eu acrescento, é para pobre. Politicagem é a nova libido. Dá grana, horário político eleitoral e foto fofa, sorriso de metro e meio, com a última versão do Photoshop. 
Façam o que quiserem, enfim, pois é tudo da lei e ninguém está vendo. Discursem suas castidades, façam-se como a mulher de Cesar e, sem se esquecer de um botox aqui, um cabelo acaju ali, pareçam honestos. Há sempre alguém que acredite e faça uma boca de urna empolgada. Eu, cansado da chanchada, passo batido. Para o dia 5 de outubro, confesso ser partidariamente contra todo tipo de inseto, pulga, percevejo ou barata política – e assino aqui minha ideologia pública na crença radical do que aprendi nos jingles antigos.
Na hora de votar, peço licença para mandar Detefon em meu lugar.


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