Fale da sua aldeia e serás universal,
recomendava Tolstói, mas eu só quero no máximo ser municipal ao declarar aqui o
sumiço – ele estava logo ali na esquina da Nascimento Silva – do grafite em que
Vinicius de Moraes, na rua que leva seu nome, olhava, desenhado na parede, a
multidão a caminho do mar, do trabalho, dos sonhos e das compras de presunto
fatiado na Casa Nelson.
Procura-se e pede-se de volta. Bote-se
no mesmo lugar o sorriso do velhinho, pois ele fazia a turbamulta se alegrar.
Na última vez em que foi visto, desenhado
pelo grafiteiro Andrea Brandani, Vinicius estava sentado num banquinho de bar,
daqueles em que fazia pocket-show com Toquinho. Parecia feliz, cercado do
grafite de personagens do cotidiano de Ipanema, gente como o Damião Experiença,
a Ana Maria Carvalho, a Tetê do Barteliê, o gari Gilmar e o baleiro Virgulino
Lampião. Sumiram todos. O Delmário, vendedor de frutas, ia ser o próximo a ser
eternizado. Não deu tempo.
No lugar deles, da noite para o
dia, surgiu a boneca Nina do grafiteiro Toz, uma menina muito bonitinha, mas já
constante em tantos outros muros da cidade, e que agora, coitada, diante da
estupefação de todos, passa as horas respondendo aos transeuntes sobre o que
foi feito do mural do Vinicius, uma referência da rua. Nina diz não saber de
nada, que também gosta de poesia, e mostra como prova o fato de estar cercada
de flores grafitadas em todas as cores.
A Rua Vinicius de Moraes tem o
Bar Mosca, que anda às moscas desde o fechamento da Faculdade da Cidade, e um
espetacular corredor de amendoeiras, todas guerreiras, sobreviventes com apenas duas
baixas à praga do besouro que arrasou com mais de 30 cassia-de-sião na vizinha Barão
da Torre. Há cinco anos é a minha aldeia. A seus habitantes e cenários só devo elogios
e inspiração.
Na ponta da praia, brilha a cobertura
de mil metros quadrados do empresário Marcel Teles, do Grupo Garantia, em obra
há três anos. Na ponta da Lagoa, o cubo de cimento da Dama de Ferro, a boate
que abrigava jovens muito pálidos, todos vestidos de muito preto, e que agora
dormita vazia, velada na fachada pelo grafite de uma playlist onde constam
desde “West end girls”, com os Pet Shop Boys, até “Tai”, a marchinha de Joubert
de Carvalho.
No meio disso, estão os CDs de Ed
Lincoln e Walter Wanderley na vitrine da Toca do Carlos Alberto, os passeadores
de cachorro que cobram até R$ 500 por mês, as garrafas de bourgogne da Lidador a
R$ 920 e a eterna memória de que foi ali, na esquina com Prudente de Moraes,
que Vinicius e Tom viram Helô Pinheiro em 1962, um broto, uma uva, passar a
caminho do mar, dando-se então a inspiração de onde surgiria a “Garota de
Ipanema” e uma nova civilização carioca a beira mar plantada.
De vez em quando a gangue da
bicicleta toca o terror e o foguetório do Cantagalo fica mais irado. De um modo
geral, no entanto, ouve-se mesmo é a sonoridade benigna da roda de chorinho aos
sábados, do garçom Chiquinho pedindo mais um chope no Torre do Barão e dos
carimbos de Ilmar e Leão, os bicheiros em frente ao Bunda de Fora, carimbando
com ritmo os números que em seguida serão afixados nos trocos das árvores.
Foi desse cenário que, assim sem
mais, extirpou-se de uma de suas paredes a imagem daquele a quem agora nesta
crônica procura-se desesperadamente, o poeta Vinicius de Moraes que dá nome à
rua e nela já não está mais. Para onde foi? Urge que volte. Nos anos 1960,
Haroldo Barbosa e Raul Mascarenhas fizeram o samba “Procurei por toda a cidade
o seu criador/ Onde estará?/ Cadê a estátua de Estácio de Sá?” – e a partir daí
construiu-se no Aterro uma pirâmide para ele.
Será que Vinicius cansou de fazer
pose, servir de fundo para selfie de turista e, por espontânea vontade,
escafedeu-se do muro?
Será que ele foi vítima de uma
guerra de grafiteiros em busca de paredes numa cidade cada vez mais cercada de
grades?
O que se sabe até o fechamento
desta edição é que ele não está mais na parede da sua própria rua, apagado que
foi na esquina da Nascimento Silva, em frente ao bar Cantinho de Ipanema. Era
um grafite parecido com aqueles afrescos onde os muralistas mexicanos colocavam
os heróis pátrios em cenas de guerra contra os espanhóis – com a diferença de
que em Ipanema não há declaradamente uma guerra do tipo clássico. Pelo
contrário. Todos os personagens do grafite agora desaparecido mostravam-se
felizes de estar ali, numa síntese do espírito do bairro. Curtiam com expressão
amistosa o espetáculo de ver gente que vai e gente que vem por uma rua marcante
da história recente da cidade.
Será que
Vinicius foi até a esquina de Visconde de Pirajá olhar a vitrine de calcinhas e
sutiãs da Casa Futurista, apaixonou-se por uma das modelos e com ela se casou
na igreja da praça?
Procura-se,
desesperadamente, a poesia de volta.
Sensacional. Também senti falta. Abraço solidário.
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