Taca-lhe pau, eleitor (29/09/2014)


Taca-lhe pau, eleitor mano velho, e no próximo domingo vai de réstia de alho, crucifixo, o que mais a mãe Valéria dos postes sugerir. Acabe de uma vez por todas com essa espécie cacareco de político highlander, essa raça tiririca que se transforma a cada eleição, não morre nunca, e como um gremlin vai se tornando mais pavorosa.
Taca-lhe pau, transforma a urna num carro de madeira veloz como os dos meninos catarinenses que inventaram a expressão no Youtube, e atropela essa raça de garotinhos da ficha suja. Numa eleição passada, eles diziam ter aquilo roxo; na outra, pediram seu voto porque com eles lá, pior não podia ficar. Tem ficado desde sempre. Lembra do Zarur, um voto em troca da sopa de entulho? Eu, sim.
Deve ter sido meu erro de formação, uma daquelas idiossincrasias inaugurais que se fixam na cultura de uma criança e se misturam para sempre, com naturalidade, ao seu DNA. É inesquecível. Não adianta depois lustrar o cerebelo da ideologia com pílulas de vida liberal do dr. Fernando Henrique ou trabalhar a cútis com o trio maravilhoso Regina – Marx, Engels e Lênin – da práxis esquerdista. Nada apaga a primeira impressão.
O primeiro político que eu vi apareceu ao lado de um bicheiro, os dois sentados no banco traseiro de um conversível, e eles faziam dupla invencível, uma espécie de Carequinha e Fred, no subúrbio distante. O bicheiro jogava notas de uma merreca qualquer para cima e o político atirava seus santinhos. A molecada atrás do carro, eu incluso, corria inocente sob aquela chuva de papéis criminosos. Dava-se preferência a catar a grana miúda, com o desenho do Tamandaré na parte da frente. Ao fim da corrida, no entanto, levava-se para casa também a cara do paspalhão político que participara da pseudo-benemerência.
Pode-se dizer que foi há muito tempo, que as rosinhas hoje foram proibidas no jardim da boa ética. Há controvérsias. Eu tenho visto na TV esses senhores, alguns já fichados, outros honrados até a publicação do jornal de amanhã. São todos primos daquele amigo do bicheiro suburbano. Parentes consanguíneos de alguma aliança eleitoral espúria saída da braguilha do deputado Barreto Pinto. O indigitado parlamentar, outra figurinha do primeiro álbum da minha iconografia política, topou posar de fraque e cueca para as lentes de Jean Manzon. A promessa era de que só a parte de cima seria publicada.
Eu estava lá formando minha mentalidade política quando saiu a foto do deputado de cuecas em O Cruzeiro. Logo em seguida o rinoceronte Cacareco, astro do zoológico paulista, foi sufragado nas urnas com 100 mil votos e superou todos os demais candidatos, a maioria humanos, que concorriam à vereança da grande capital. Era o início do meu muxoxo e apatia. 
Por mais que eu queira parar o braço da vitrola, a cada político desses que me pede o voto e jura doar suor e inteligência a fim de melhorar minhas condições de vida, imediatamente toca na memória a marchinha do deputado baiano. Era o personagem do ator Mario Tupinambá num humorístico da TV. Sempre abusando de uma retórica barroca, de muitas palavras e pouco sentido (“não tenho assunto mas eu quero é discursar”), ele ameaçava: “Vou falar pouco pra falar do coco, se a turma aguenta eu falo da pimenta”.
Pode ser que os novos pastores da política nacional tenham mudado o cardápio, agora com a cabeça feita por guardanapos franceses, mas a fome deles continua a mesma – e sobre isso a delação premiada completará o meu raciocínio. Os assaz relatados são os políticos que me desfizeram a cabeça. Pode ter sido falta de sorte, uma safra ruim. Acho que não. Teve aquele do “varre, varre, vassourinha”. Teve o outro que me pedia para “jangar”. Slogans ótimos, candidatos péssimos. Outro ainda se orgulhava do bordão tirado do prontuário policial: “rouba, mas faz”. 
Para saudá-los, Dias Gomes criou a síntese genial de Odorico Paraguaçu, a mais perfeita tradução do político brasileiro. O crápula roubou até o bordão de um deputado da vida real, o sergipano Sandoval Caju, e dizia galante para a massa, embora de olho cravado nos decotes das irmãs Cajazeiras: “vim de branco para ser mais claro”.
A cada outubro que se aproxima eu penso em todos esses vilões da infância e, por mais colheres do biotônico que ainda tome, a preguiça me anestesia (quem quiser confundir com o Anastasia mineiro fique à vontade). De vez em quando, vindo de um bairro próximo, aparecia nos comícios da praça suburbana um certo Tenório Cavalcanti, o dono da Baixada. Usava uma capa preta que lhe dava ares de capeta de encruzilhada. Zero de afro-religiosidade, no entanto. A capa servia de esconderijo para a Lurdinha, sendo esta não uma namorada mignon de contornos calipígios, mas uma metralhadora com a qual Tenório defendia o mandato a fogo. Foi um precursor dos políticos nas milícias.
A todos eles, e aos que continuam suas chagas, eu ofereço a resposta das crianças, a deliciosa excitação infantil do vídeo dos meninos descendo de carrinho de madeira o morro da vó Salvelina. Taca-lhe pau, eleitor mano velho, e bota essa turma morro abaixo e do mandato pra fora.

Comentários