Taca-lhe pau, eleitor mano velho,
e no próximo domingo vai de réstia de alho, crucifixo, o que mais a mãe Valéria
dos postes sugerir. Acabe de uma vez por todas com essa espécie cacareco de
político highlander, essa raça tiririca que se transforma a cada eleição, não
morre nunca, e como um gremlin vai se tornando mais pavorosa.
Taca-lhe pau, transforma a urna
num carro de madeira veloz como os dos meninos catarinenses que inventaram a
expressão no Youtube, e atropela essa raça de garotinhos da ficha suja. Numa
eleição passada, eles diziam ter aquilo roxo; na outra, pediram seu voto porque
com eles lá, pior não podia ficar. Tem ficado desde sempre. Lembra do Zarur, um
voto em troca da sopa de entulho? Eu, sim.
Deve ter sido meu erro de
formação, uma daquelas idiossincrasias inaugurais que se fixam na cultura de
uma criança e se misturam para sempre, com naturalidade, ao seu DNA. É
inesquecível. Não adianta depois lustrar o cerebelo da ideologia com pílulas de
vida liberal do dr. Fernando Henrique ou trabalhar a cútis com o trio
maravilhoso Regina – Marx, Engels e Lênin – da práxis esquerdista. Nada apaga a
primeira impressão.
O primeiro político que eu vi apareceu
ao lado de um bicheiro, os dois sentados no banco traseiro de um conversível, e
eles faziam dupla invencível, uma espécie de Carequinha e Fred, no subúrbio
distante. O bicheiro jogava notas de uma merreca qualquer para cima e o
político atirava seus santinhos. A molecada atrás do carro, eu incluso, corria
inocente sob aquela chuva de papéis criminosos. Dava-se preferência a catar a
grana miúda, com o desenho do Tamandaré na parte da frente. Ao fim da corrida,
no entanto, levava-se para casa também a cara do paspalhão político que
participara da pseudo-benemerência.
Pode-se dizer que foi há muito
tempo, que as rosinhas hoje foram proibidas no jardim da boa ética. Há
controvérsias. Eu tenho visto na TV esses senhores, alguns já fichados, outros honrados
até a publicação do jornal de amanhã. São todos primos daquele amigo do bicheiro
suburbano. Parentes consanguíneos de alguma aliança eleitoral espúria saída da
braguilha do deputado Barreto Pinto. O indigitado parlamentar, outra figurinha
do primeiro álbum da minha iconografia política, topou posar de fraque e cueca
para as lentes de Jean Manzon. A promessa era de que só a parte de cima seria
publicada.
Eu estava lá formando minha
mentalidade política quando saiu a foto do deputado de cuecas em O Cruzeiro. Logo
em seguida o rinoceronte Cacareco, astro do zoológico paulista, foi sufragado
nas urnas com 100 mil votos e superou todos os demais candidatos, a maioria humanos,
que concorriam à vereança da grande capital. Era o início do meu muxoxo e
apatia.
Por mais que eu queira parar o
braço da vitrola, a cada político desses que me pede o voto e jura doar suor e
inteligência a fim de melhorar minhas condições de vida, imediatamente toca na
memória a marchinha do deputado baiano. Era o personagem do ator Mario
Tupinambá num humorístico da TV. Sempre abusando de uma retórica barroca, de muitas
palavras e pouco sentido (“não tenho assunto mas eu quero é discursar”), ele
ameaçava: “Vou falar pouco pra falar do coco, se a turma aguenta eu falo da
pimenta”.
Pode ser que os novos pastores da
política nacional tenham mudado o cardápio, agora com a cabeça feita por guardanapos
franceses, mas a fome deles continua a mesma – e sobre isso a delação premiada
completará o meu raciocínio. Os assaz relatados são os políticos que me
desfizeram a cabeça. Pode ter sido falta de sorte, uma safra ruim. Acho que
não. Teve aquele do “varre, varre, vassourinha”. Teve o outro que me pedia para
“jangar”. Slogans ótimos, candidatos péssimos. Outro ainda se orgulhava do bordão
tirado do prontuário policial: “rouba, mas faz”.
Para saudá-los, Dias Gomes criou
a síntese genial de Odorico Paraguaçu, a mais perfeita tradução do político
brasileiro. O crápula roubou até o bordão de um deputado da vida real, o sergipano
Sandoval Caju, e dizia galante para a massa, embora de olho cravado nos decotes
das irmãs Cajazeiras: “vim de branco para ser mais claro”.
A cada outubro que se aproxima eu
penso em todos esses vilões da infância e, por mais colheres do biotônico que
ainda tome, a preguiça me anestesia (quem quiser confundir com o Anastasia
mineiro fique à vontade). De vez em quando, vindo de um bairro próximo,
aparecia nos comícios da praça suburbana um certo Tenório Cavalcanti, o dono da
Baixada. Usava uma capa preta que lhe dava ares de capeta de encruzilhada. Zero
de afro-religiosidade, no entanto. A capa servia de esconderijo para a
Lurdinha, sendo esta não uma namorada mignon de contornos calipígios, mas uma
metralhadora com a qual Tenório defendia o mandato a fogo. Foi um precursor dos
políticos nas milícias.
A todos eles, e aos que continuam
suas chagas, eu ofereço a resposta das crianças, a deliciosa excitação infantil
do vídeo dos meninos descendo de carrinho de madeira o morro da vó Salvelina.
Taca-lhe pau, eleitor mano velho, e bota essa turma morro abaixo e do mandato
pra fora.
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