A asma do negócio (13/10/2014)

Parecia linho, mas era Linholene, e eu só estou me lembrando deste slogan porque estamos no intervalo das eleições e o jornalista Alberto Villas aproveitou o ensejo para colocar nas boas casas do ramo o “A alma do negócio”, livro sobre a propaganda nos tempos do Danoninho (“vale por um bifinho”) e do Q-Suco (“faz a jarra sorrir”).
Mentia-se muito – o tal Linholene não passava de um pedaço de plástico – e continua-se assim com a propaganda política que ora nos acomete. Nunca se trapaceou tanto. A promessa do fim de semana é que alguém vai tocar a campainha da porta do eleitor e lá estará, linda e sorridente, uma vendedora sussurrando “Avon chama para um Brasil melhor”. Todos terão direito não só ao Bolsa Família, mas aos cremes do Bolsa Cosméticos.
O resto da propaganda gratuita é o que se sabe: fulano é maconheiro; sicrana ronca.  Acusa-se, promete-se. Nada de mal acontecerá a quem profetizar a abundância de leite, mel e Phymatosan para as crianças do paraíso futuro. O candidato X fará chover ininterruptamente sobre os mananciais paulistas. O Y não roubará.
Eu, que a todos assisto e a tudo sofro, torço para que a revolucionária lâmina Gillete super-azul, do estojo Campeão, corte a língua dessa gente.
Tudo anda bem com Bardhal, o sucesso das estrelas do cinema começa com Lux, e a educação em tempo integral será implantada no primeiro ano do meu governo. Na nossa mesa terá Plus-Vita todo dia.
Este é o país que sente saudade do “aditigre”, o aditivo da Esso que dava mais potência ao motor, deixava sempre limpo o carburador. Assim, com todos anestesiados pela mentirada atávica de um século de propaganda comercial, fica mais fácil ao marqueteiro político dizer, sem medo de a plateia cair na gargalhada, que o seu candidato dobrará o PIB na primeira semana de mandato.
O único brasileiro punido por uma propaganda foi o extraordinário Gerson, o Canhotinha de Ouro da Copa do México. Ao anunciar o cigarro Vila Rica, o mais barato do mercado, ele disse da delícia de se levar vantagem em tudo. Pra quê?! O brasileiro, este monumento erigido em louvor da ética e dos bons princípios morais, escanteou o grande jogador para o limbo dos seres incorretos. Já com os que prometem radicalizar o PAC, o SUS, a UPA e o upalelê, nada acontece.
Nos últimos anos, a propaganda comercial ganhou fiscalização, já não se permite mais, como no final da década de 1960, colocar alguém fumando ao lado do bordão “O importante é ter Charm”. O importante hoje, alerta o Ministério da Saúde na antipropaganda atrás do próprio maço do cigarro, é não morrer de câncer. Os políticos, no entanto, estão soltos para anunciar o que lhes der na imaginação. Da imediata transformação da Baía de Guanabara numa piscina de águas translúcidas até a incorporação de novas siglas às já conhecidas VLT, BRT, BRS, com a diferença de que o transporte nelas será grátis para todos.
Neste segundo turno, os males deletérios do horário gratuito na TV são tão evidentes que cabe mudar o slogan. Não é mais a alma. A propaganda virou a asma do negócio. Vale tudo para contaminar os outros com a própria doença. Os candidatos homens já foram vistos batendo em suas mulheres. As candidatas não passam de mandonas tornadas histéricas pela privação da vivência com qualquer gota de hormônio masculino.
Não se esqueça da minha Calói, dê férias aos seus pés, se é Bayer é bom – e se deixar 10% para o partido é melhor ainda.
A propaganda comum já vilipendiou o sexo feminino (“Economize sua mulher, leve portáteis GE para casa”). Agora, sob a vigilância da lei, incomodada não fica nem mais a vovozinha. Melhor assim. Já o horário político está autorizado a atirar para todos os lados, e salve-se a reputação que puder. Ninguém tem mais a ficha limpa no padrão Omo, com um branco total radiante ou o azul polar brilhante. A lei é a da selva de conchavos, perigosa até para o elefantinho da Shell. Os adversários do primeiro turno são políticos da pior espécie até a contagem das urnas. No segundo turno, o efeito Rexona faz com que passem a cheirar melhor – pois sempre cabe mais um na aliança quando se usa o desodorante do acúmulo de votos.
Enfim, se o sabonete Eucalol prometia um componente balsâmico que tornaria a sua família mais feliz, não é muito diferente ouvir do candidato a promessa de diminuir os impostos esta noite ainda. É tudo bálsamo para boi dormir, óleo de fígado de bacalhau para amargar a vida do próximo.
Falta na propaganda política, como se faz em relação aos médicos depois do anúncio de analgésico, o aviso fundamental: Caso permaneçam os sintomas de mentira, a autoridade policial mais próxima deve ser consultada.

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