A revista Carioquice, um dos mais
bem guardados segredos do Rio, está lançando um número especial de décimo aniversário.
Apresenta listas de “mais”: os parques mais bonitos da cidade, os restaurantes
mais deliciosos, as músicas mais delicadas na exaltação deste cenário de real
valor e outras avaliações de magnitude municipal. Ficou caprichado. Seguem
daqui os cumprimentos ao Instituto Cravo Albin, responsável pela publicação. Faço
votos de que a revista não esmoreça, jamais caia, nesta trilha que já lhe vai mais
esticada que a Restinga de Marambaia.
O que eu queria mesmo, no entanto
e todavia, é propor para o futuro uma edição especial com listas de “Menos”.
Por motivos graves, que expostos
aqui impediriam a crônica de seguir sua leveza inerente, o carioca não conhece a
cidade. Machado de Assis pegava o bonde no Cosme Velho e ia buquinar nos sebos
da Ouvidor. Hoje, na cultura do “cada um em seu quadrado”, é cada um no seu quarteirão
– e de volta para casa, rápido, para ver no Houaiss que negócio é esse de
buquinar.
Valoriza-se a segurança do cartão
postal, da paisagem conhecida. A maior distância percorrida por um carioca é a
que vai de uma ponta à outra no calçadão da orla aos domingos. De resto, muita
preguiça de escarafunchar a cidade. Descobrir becos escondidos, só se eles
estiverem naquele cantinho à esquerda, na parte oriental do mercado velho de
Jerusalém. O carioca acha o Rio longe.
Ai de mim, um zé-mané-joaquim, lançar
qualquer vírgula envenenada, como se fosse mais uma flecha afiada, contra o
coração do São Sebastião padroeiro. Aplaudo quem elege a Floresta da Tijuca, o
Antiquarius, o Municipal, o Copa, a Lapa e “O samba do avião” como os mais-mais
de suas categorias. Adoro tudo isso e parabenizo os eleitores da Carioquice. Mas
essas atrações já estavam em cartaz há um século. Chegou a hora de buquinar gostoso
e descobrir outras raridades, no sebo de paisagens e referências delirantes que
residem na cidade.
Quando você estiver na Praça
Mauá, pegue a escadaria da Travessa do Liceu, atrás do edifício da Rádio
Nacional, e suba-e-desça a Ladeira João Homem. É o meu voto para “A menos
conhecida das ruas deslumbrantes do Rio”. O trecho da Saddock de :Sá colado ao
morro não faz feio, mas é no clichê de Ipanema. A João Homem, na subida do Morro
da Conceição, está com o seu casario inglês estalando de novo por causa da
especulação imobiliária do Porto Maravilha. Vá antes que abra o museu do
Calatrava, logo abaixo, e ela se torne, como todas as atlânticas e vieirasoutos,
uma passarela de turistas.
Na hora do almoço, dê um tempo no
Antiquarius. Salte no metrô da Presidente Vargas, pegue a Rua da Conceição em
direção ao porto e, antes de bater de cara com o sopé do Valongo, entre no Bar
Joia, na esquina com Julio Lopes de Almeida. Peça um feijão com paio. Desde já,
se um dia eu estiver no corredor da morte, saibam todos os carrascos que este é
o meu pedido oficial de última refeição.
O Joia leva meu voto para o
“Menos afetado e conhecido dos grandes restaurantes de comida carioca”. Se
houver a categoria “Decoração menos Casa Cor dos santificados botequins do
Rio”, também recebe meu escrutínio. Só o gênio da decoração intuitiva
misturaria um busto do Beethoven (o ídolo do finado “seu” Joia, compositor da
música ambiente) e a tremenda confusão icônica, colada nas paredes, de fotos de
mulheres peladas e times do Botafogo vestidos.
Proponho também, limpos os
beiços, que se vire o disco da carioquice. Quem sou eu de desmerecer a “Valsa
de uma cidade”, de Antonio Maria e Ismael Neto, a segunda colocada entre as músicas
que cantam a cidade. Linda, claro, mas o bom gosto clássico do samba canção não
é tudo. Eu incluiria entre “As grandes músicas menos conhecidas do tributo à
carioquice ligeira” o passeio malicioso de Jorge Veiga na marchinha “O que é
que há com a sua baratinha”: “Visitaremos primeiro a Tijuca, visitaremos depois
o Leblon, vais ver que coisa maluca, vais ver que passeio tão bom”.
O Rio é uma cidade,
merecidamente, massacrada pela exposição de seus paraísos na mídia, mas as
listas de mais lindos cenários tornaram suas fotos um sonolento desfile de dejávistos. É um clichê atrás do outro,
todos poeticamente melosos e cheios de nuvens brancas ao redor do Cristo. Sei
de gente que depois se desculpa pela blasfêmia, mas, diante de mais uma foto de
celebridade internacional com o Dois Irmãos ao fundo, boceja estridente.
A vida é um GPS sempre ligado na
busca insaciável de novos prazeres. Precisa de uma renovação voraz de outras
palavras e paixões. Por isso, carioca, sai do seu sono devagar, e invente novos
cultos de adoração. Tenho medo que um dia a garota de Ipanema finalmente se
renda aos meus encantos e eu, como se já a tivesse em casa por todos esses
anos, diga um não entediado.
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