Obrigado, São Sebastião, pela
graça trabalhista de este ano colocar seu santo dia numa terça-feira e
proporcionar a todos nós, cariocas fatigados na labuta operária, o paraíso
supremo de um feriadão com direito ao enforcamento desta segunda-feira.
Perdão pelo mau gosto de falar em
corda quando aqui estou, genuflexo, diante de sua santa estátua de punhos
amarrados. Desculpe também a heresia de misturar o culto católico com a festa
pagã do feriadão. É verão. Se as cigarras zinem, todos nós, trabalhadores,
temos o direito de conjugar um verbo mais invocado ainda. É preciso
procrastinar.
Que sua bênção salve, conforte e,
em pleno dia útil, perdoe este texto pontuado com havaianas.
Obrigado, meu bom santo, por ter
ajudado Estácio de Sá a expulsar os franceses e desde então, assim se passaram
450 anos, sempre amarrado aí no seu tronco, ficar de olho sereno no amparo de
nossas misérias sempre atualizadas. Todo dia desinventamos mais um pouco o
paraíso bíblico e, acredite, ainda podemos piorá-lo um bocado.
Bendito seja o seu dia, que sarem
todas suas feridas e a cura delas se reverta na absolvição de nossos pecados. Olhe
com carinho pela cidade tão castigada, socorra-a das pequenas monstruosidades
do dia a dia. O Papa daria um soco na cara de quem lhe xingasse a mãe. Faça o
mesmo. Não tenha pudor de infligir justiça dura a quem castiga seus filhos. A
gente achou que o Beltrame bastava. Ledo e ivo desengano.
De vez em quando me faça a graça
particular de pesar a sua mão de soldado romano sobre os novos bárbaros das
calçadas. Já era difícil sobreviver aos buracos, aos desníveis das pedras
portuguesas. Eis que os novos hunos não atiram mais flechas nos católicos, como
os soldados da Mauritânia fizeram sobre seu corpo. Eles agora vêm céleres pela
calçada, trepados em bicicletas. São perigosíssimos. No mundo inteiro, os
ciclistas transformaram-se em arautos de uma nova etapa civilizatória, a troca
da violência dos carros pela fluidez romântica, econômica e pacífica sobre duas
rodas. Aqui é o contrário.
Eu abafei o medo da balconista
mal humorada, da fila do banco, do flanelinha e demais pavores da mixaria
carioca. São inevitáveis, percalços à contrapartida de se viver sob as asas dos
biguás e das borboletas amarelas. Ainda estamos no lucro. Nada me protege,
porém, e esta oração de segunda-feira enforcada busca o auxílio de seu sagrado
poder, da fúria dos ciclistas. Eles adotaram as calçadas como sua via normal de
circulação. Surgiram para substituir as balas perdidas. Vem daí o meu clamor,
boníssimo santo: dê-lhes um tombo de leve, um pneu furado, talvez. Qualquer
coisa que não quebre ossos, não machuque ninguém – mas sirva de sinal divino,
espanto e educação, devolvendo aos cidadãos-pedestres a felicidade única, a
delícia antiga de andar distraído.
Eu sei que é injusto passar para
seus ombros machucados, em pleno feriadão, o fardo de toda essa pauta. Perdão.
Primeiro apareceu o Joaquim Barbosa, agora o Sérgio Moro. Ainda é exército
pequeno. Estamos cercados por colegas seus, nomeados para os bairros de São
Conrado, Santa Teresa, Santíssimo, Todos os Santos e Guadalupe, além da imagem
do Cristo Redentor lá em cima. A sensação geral, no entanto, é a de que mesmo assim
falta santo protetor para ajudar nas demandas. Nada muito complicado, Sebastião.
Segure a cobertura do Engenhão sobre as cabeças dos torcedores. Ajude a PM a
ligar o giroscópio da viatura para que ninguém confunda seus soldados com
marginais.
Perdoe principalmente os que não
entenderam sua santa mensagem de que todos são iguais. Agora mesmo, com 2015
pegando fogo, querem separar em guetos a raça carioca, colocar roletas na porta
da praia para cobrar ingresso do que a todos é patrimônio e natureza. Dê-lhes o
susto, meu santo, de tomar um caldo, de levar um caixote. Quando eles
insistirem, repita o que sua infinita sabedoria fez semana passada. No mesmo
dia em que estes senhores ricos pediram praias pagas, sua beatífica ordem fez
surgir diante dos banhistas do Arpoador um mar de transparência caribenha – e
de graça. Sem gastar um ponto de milhagem. Eu estava lá, no alto da pedra,
tentando ficar a salvo do arrastão das 16 horas. Com o rádio ligado num funk pancadão,
a boca fechada num queijo coalho, eu anotei orgulhoso mais este milagre de sua fé
padroeira.
Esculachou geral – e que para
sempre assim seja, meu bom Sebastião, amém!
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