Só Sebastião salva (19.01.2015)





Obrigado, São Sebastião, pela graça trabalhista de este ano colocar seu santo dia numa terça-feira e proporcionar a todos nós, cariocas fatigados na labuta operária, o paraíso supremo de um feriadão com direito ao enforcamento desta segunda-feira.
Perdão pelo mau gosto de falar em corda quando aqui estou, genuflexo, diante de sua santa estátua de punhos amarrados. Desculpe também a heresia de misturar o culto católico com a festa pagã do feriadão. É verão. Se as cigarras zinem, todos nós, trabalhadores, temos o direito de conjugar um verbo mais invocado ainda. É preciso procrastinar.
Que sua bênção salve, conforte e, em pleno dia útil, perdoe este texto pontuado com havaianas.
Obrigado, meu bom santo, por ter ajudado Estácio de Sá a expulsar os franceses e desde então, assim se passaram 450 anos, sempre amarrado aí no seu tronco, ficar de olho sereno no amparo de nossas misérias sempre atualizadas. Todo dia desinventamos mais um pouco o paraíso bíblico e, acredite, ainda podemos piorá-lo um bocado.
Bendito seja o seu dia, que sarem todas suas feridas e a cura delas se reverta na absolvição de nossos pecados. Olhe com carinho pela cidade tão castigada, socorra-a das pequenas monstruosidades do dia a dia. O Papa daria um soco na cara de quem lhe xingasse a mãe. Faça o mesmo. Não tenha pudor de infligir justiça dura a quem castiga seus filhos. A gente achou que o Beltrame bastava. Ledo e ivo desengano.
De vez em quando me faça a graça particular de pesar a sua mão de soldado romano sobre os novos bárbaros das calçadas. Já era difícil sobreviver aos buracos, aos desníveis das pedras portuguesas. Eis que os novos hunos não atiram mais flechas nos católicos, como os soldados da Mauritânia fizeram sobre seu corpo. Eles agora vêm céleres pela calçada, trepados em bicicletas. São perigosíssimos. No mundo inteiro, os ciclistas transformaram-se em arautos de uma nova etapa civilizatória, a troca da violência dos carros pela fluidez romântica, econômica e pacífica sobre duas rodas. Aqui é o contrário.
Eu abafei o medo da balconista mal humorada, da fila do banco, do flanelinha e demais pavores da mixaria carioca. São inevitáveis, percalços à contrapartida de se viver sob as asas dos biguás e das borboletas amarelas. Ainda estamos no lucro. Nada me protege, porém, e esta oração de segunda-feira enforcada busca o auxílio de seu sagrado poder, da fúria dos ciclistas. Eles adotaram as calçadas como sua via normal de circulação. Surgiram para substituir as balas perdidas. Vem daí o meu clamor, boníssimo santo: dê-lhes um tombo de leve, um pneu furado, talvez. Qualquer coisa que não quebre ossos, não machuque ninguém – mas sirva de sinal divino, espanto e educação, devolvendo aos cidadãos-pedestres a felicidade única, a delícia antiga de andar distraído.
Eu sei que é injusto passar para seus ombros machucados, em pleno feriadão, o fardo de toda essa pauta. Perdão. Primeiro apareceu o Joaquim Barbosa, agora o Sérgio Moro. Ainda é exército pequeno. Estamos cercados por colegas seus, nomeados para os bairros de São Conrado, Santa Teresa, Santíssimo, Todos os Santos e Guadalupe, além da imagem do Cristo Redentor lá em cima. A sensação geral, no entanto, é a de que mesmo assim falta santo protetor para ajudar nas demandas. Nada muito complicado, Sebastião. Segure a cobertura do Engenhão sobre as cabeças dos torcedores. Ajude a PM a ligar o giroscópio da viatura para que ninguém confunda seus soldados com marginais.
Perdoe principalmente os que não entenderam sua santa mensagem de que todos são iguais. Agora mesmo, com 2015 pegando fogo, querem separar em guetos a raça carioca, colocar roletas na porta da praia para cobrar ingresso do que a todos é patrimônio e natureza. Dê-lhes o susto, meu santo, de tomar um caldo, de levar um caixote. Quando eles insistirem, repita o que sua infinita sabedoria fez semana passada. No mesmo dia em que estes senhores ricos pediram praias pagas, sua beatífica ordem fez surgir diante dos banhistas do Arpoador um mar de transparência caribenha – e de graça. Sem gastar um ponto de milhagem. Eu estava lá, no alto da pedra, tentando ficar a salvo do arrastão das 16 horas. Com o rádio ligado num funk pancadão, a boca fechada num queijo coalho, eu anotei orgulhoso mais este milagre de sua fé padroeira.
Esculachou geral – e que para sempre assim seja, meu bom Sebastião, amém!

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