O sorriso da Paolla (02/02/2015)


A da Paolla Oliveira é drummondiana, a mais completa tradução da que inspirou o poeta e fez com que ele escrevesse “a bunda, que engraçada, está sempre sorrindo, nunca é trágica, se diverte por conta própria”. Numa época de premiação do Oscar, o meu vai para ela, e, por favor, não se veja nisso manifestação de vulgaridade voyeur. A de Paolla tem dramaturgia. Agrega valor. Raciocina. Faz parte do que se está querendo dizer na história.
Ela, a bunda, apareceu semana passada, na minissérie “Felizes para sempre?”, com a arrogância feliz de quem sabe aonde quer chegar. Não é um projeto de sexo, mas de poder e dominação econômica. Nada a ver com a carnavalização dos cariocas, desperdiçada com o fito único da gandaia. A de Paolla é politizada. Estava em Brasília. Balançava orgulhosa sobre o resto da existência e – sendo do tipo culta, não globeleza – repetia o verso de Drummond sobre a bunda que se basta: “Existe algo mais?”.
Muitas outras já desfaleceram os sentidos de quem vê TV no Brasil. Pela primeira vez, porém, uma bunda faz sentido. Tem um ar de escárnio, um sorriso provocador sobre quem a observa, e na cena em questão era o empresário corrupto Claudio, interpretado por Enrique Dias. Foi histórico.
Tempos atrás, Arnaldo Jabor escreveu que a de Juliana Paes era quase uma entidade a parte, como se fosse outra pessoa. Em muitos momentos, poderosa, chegaria a tomar as rédeas da suposta dona. A de Paolla inaugurou em grande formato, em HD, a expressividade calipígia. Nestes primeiros capítulos da minissérie, ela parece uma bunda vilã, dedicada principalmente a expropriar os ricos. Mais adiante, suspeita-se que os levará à cadeia. Ao final, tornar-se-á heroína de uma nação vilipendiada.
Ela, a assaz referida, foi a foto mais procurada semana passada nos sites. Só está sendo tratada aqui porque há a esperança nacional, já que todos desistimos da salvação da Petrobras, de que retorne para ser a vingadora e o marco zero de nosso renascimento.
Paolla Oliveira faz uma garota de programa que, como é típico da espécie, apresenta-se com diversos nomes e tanto pode ser Simone num capítulo como Denise em outros. Ela sabe do supérfluo dessas sociabilidades. Quando está de frente para a câmera também sorri cínica, songamonga, levantando ainda mais o protuberante carnudo que lhe encima o lábio superior esquerdo. Ninguém resiste. Logo sobre suas mãos chovem euros e dólares, pois corruptos pagam em dinheiro vivo. Se continuar seduzindo empresários e políticos como fez nos primeiros capítulos, ao final da minissérie estarão em sua conta todos os dois bilhões que eles roubaram.
Na cena agora famosa, Paolla se encontra num quarto de hotel com Claudio, articulado com as maracutaias do governo federal. Você já viu esse tipo de senhor no programa anterior, o Jornal Nacional, na cadeia do Paraná. Agora ele está uivando na cama de Paolla. Ela chega diante do trambiqueiro, mordisca-lhe os lábios e sorve um gole da flute de champanhe. Como se tivesse pressa de mostrar a que veio, imediatamente dá as costas para o executivo, para a câmera, para toda a boquiaberta nação brasileira. Caminha de revés na direção de um contra-luz que deixa seu corpo em silhueta, mas sem esconder as formas que se impõe harmoniosas sobre o caos reles, o nosso triste e desparagonado dia a dia.
 Magritte uma vez desenhou um cachimbo e embaixo da tela escreveu “isto não é um cachimbo”. Era a representação artística de um. Milan Kundera, no seu livro mais recente, vendo as mulheres de Paris de camisetas curtas, deslocando o centro de sedução para a exibição pública dos umbigos, lamentou a insignificância – e exaltou a alegria, a brutalidade e objetividade das que concentram sua arte erótica no mesmo ponto de Paolla. Na minissérie, não é só uma bunda, mas um país. Não é um prêmio de merecimento, mas algo conquistado com a grana da corrupção.
Foi um bom momento da televisão, um aproveitamento requintado do que poderia ser uma baixa apelação sobre os instintos da plateia – embora ninguém aqui vá desmerecer os que só viram na cena o óbvio alumbramento de um corpo espetacular, a aurora boreal em forma de mulher ou o compasso redivivo de Niemeyer buscando inspiração para as curvas de seus palácios.
Indo ou vindo, Paolla Oliveira está perfeita. Se a banana do corrupto de Reginaldo Faria, no final de “Vale tudo” em 1989, foi a melhor definição visual do governo Collor, ela agora promete simbolizar, pelo avesso de sua estupefaciente rigidez muscular, o Brasil da delação premiada, de gente muito caída fazendo coisa muito feia. Há muito não se vê na TV, de frente ou verso, um país de sorriso tão cínico e revelador. 

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