Seja bem vindo ao clube, Tomzinho.
Antes, seres ambulantes, nós éramos sol, sal, sul, sexo e social. Agora, fixos nessas
calçadas, somos só sol, susto e sereno. É o que rola. Chuva tem tido pouca. A
propósito, prepare-se. São Pedro, pelo andar da carruagem e do movimento das
nuvens, não vai mandar as águas de março que você tão bem cantou e fechavam o
verão. Aposto que neguinho (escapou o politicamente incorreto!) vai aproveitar
para dizer que a tua obra está superada e, se bobear, faz manifestação aí na
tua frente para exigir as tuas promessas.
É, meu bom Tom, foi você quem
disse: no Brasil, sucesso é ofensa pessoal.
Eu não posso reclamar da vida de
estátua aqui no Leblon. Me colocaram de olho na praia, o que me permite dar uma
geral nessa nova geração de gatinhas – a propósito, onde vai parar a evolução
da espécie com esse interminável aperfeiçoamento do layout das moças? A Duda
Cavalcanti era linda, mas no outro dia passou por aqui a Paolla Oliveira e,
posso estar errado, havia nela uns músculos ainda não desenhados pelos deuses
do design feminino nos anos 1960. Espero que a maresia não me enferruje as
retinas e eu possa ver onde elas e o lápis divino vão parar.
Não reclamo, Tomzinho. Eu estou
na estátua um pouco menor e mais magro do que era. O ar de severidade do rosto
também não parece ser capaz de a qualquer momento soltar uma gargalhada, e era
o que eu mais fazia. Mas tive minhas compensações. Fiquei num cantinho discreto,
fora da muvuca. A toda hora chega alguém para se apoiar em mim e começar o alongamento
para a corrida, mas fazer o quê? É dura a vida de estátua ao rés do chão,
obrigada ao corpo a corpo com as multidões. Ah, que inveja dos generais, quase cutucando
o céu com suas espadas, todos sobre cavalos e pedestais.
O Drummond, coitado, que teve a
sorte de ficar sentado, no outro dia me escreveu dizendo que confundem poeta
com psicanalista. Homens e mulheres sentam ao seu lado e sussurram horas e
horas de desditas amorosas, como se procurassem no silêncio dele uma inspiração
para sair das armadilhas em que se meteram com seus pares. “Amor é estado de
graça e com amor não se paga”, me disse o Drummond. “Virem-se, que eu já virei
estátua.”
Não é fácil pra ninguém,
Tonzinho, e eu, se não tenho os paus de selfie me cutucando o juízo, tenho aqui
atrás uma fábrica de esgoto que de vez em quando lança uma fedentina que vou te
contar. Não reclamo, vou ficando. Eu sou do Jardim Botânico, nasci lá, morei 25
anos na Frei Leandro. Poderiam ter me posto ali onde está o Otto Lara Rezende, na
esquina com a Pacheco Leão. Mas seria pior – fica na frente do supermercado,
cercado da barulheira infernal dos ônibus. No outro dia, o Otto me escreveu. Um
sujeito aproveitou a mesa do escritório – é quase um carro alegórico a estátua
dele – e ficou ali tomando uma cervejota. Lambuzou tudo.
Enfim, Tomzinho, se está difícil
para os que andam de um lado para o outro – a seca! a Dilma! – imagina para
nós, que não temos saída. Estou bem. Olho as moças, vejo as novidades na praia
e, esticando a vista, alcanço até o Arpoador, onde consigo perceber o seu vulto,
meu amigo compositor, no meio da calçada, cercado pela multidão.
Quando a gente se encontrava na
Cobal, você falava de ter passado 30 anos construindo uma reputação, músicas
geniais etc, e que estava na hora de vender tudo, chutar o balde. Vamos
reivindicar ao prefeito. Já imaginou se cada selfie abraçado com nossas
empostadas figuras de bronze fizesse pingar uma moeda aos nossos pés? Com a
chegada do metrô aqui ao Leblon, a multidão tomando o bairro, eu posso ficar
rico, algo que não consegui depois de ralar 33 anos e escrever 150 mil notinhas
no GLOBO e no Jornal do Brasil.
No outro dia quem passou por aqui
foi o Boechat, todo pimpão dentro do seu inevitável sungão vermelho. Vai dar
uma estátua ótima. Eu narrei a tua odisseia aí, meu bom Tomzinho, e falei da
tua camisa branca desbotada no ombro de tanto o pessoal se apoiar para a selfie.
O Boechat, então, repetiu o bordão que usava para fechar a coluna quando
faltava só uma linha: “É dura a vida da bailarina!”. Conversamos ao nosso
jeito. Eu reclamei que a cidade anda violenta (da mesma maneira que tiraram os
óculos do Drummond, andaram me grafitando o paletó) e lancei a desconfiança de
que essas estátuas, em meio à corrupção generalizada, devem servir para alguém
ganhar algum por fora na licitação da obra.
É isso aí, Tomzinho, qualquer dia
chega a polícia e nós vamos continuar firmes, bronzeadíssimos, olhando na
direção de sempre. Quem não deve, não treme. Nada a declarar, a não ser, e com
essa divulgação de princípios me despeço, de que enquanto houver champanhe, há
esperança. Abraço firme.
PS. O Vinícius diz que quando lhe
fizerem a estátua, ele precisa estar sentado. Quer que as moças façam selfies
sentadinhas em seu colo calorosamente poético.
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