Foi-se o verão sem que ninguém
ouvisse durante seus três meses uma única cigarra gritando o fim do dia. Da
mesma maneira estão passando esses investigados do Petrolão, sem que ninguém lhes
grite nos ouvidos as palavras certas, também desaparecidas como a voz das
cigarras.
São uns energúmenos!
Chegou a hora, diante do
despautério generalizado, de deixar de lado o bom gosto literário. As novas
normas dos manuais de redação estabelecem limites para o palavrório
jornalístico. Fazem muito bem. Mas diante dos últimos acontecimentos é preciso usar
as palavras gordas de outrora, aquelas que nos vêm de imediato, na fluidez
incontrolável do inconsciente coletivo, e, infelizmente, ninguém mais pronuncia.
Sem essa de corrupção e malfeitos!
Isso que estamos vendo é um descalabro!
Não é um clube de empreiteiros! Trata-se
de um valhacouto de bandidos!
Uma das
ordens que envolvem o fazer da escrita é a necessidade de, antes de ela sair de
casa, antes de se publicar a coisa, passar um pente fino. Pentear a cabeleira
do vocabulário, da gramática, da ordem geral das concordâncias, para que tudo
brilhe glostoramente arrumado e não assuste o leitor. Compreende-se. É da
índole humana querer posar na moda, up to date, o topete cheio de metáforas e brylcreem
sintático. Todos sorriem, abraçados às borboletas nos parágrafos, para a glória
do selfie literário.
Há uma obsessão
generalizada de parecer moderno e, assim como se faz com o corpo, desidratar as
palavras, obrigá-las a uma dieta a que só sobreviverão as magricelas, as anoréxicas
de no máximo três sílabas. São palavras-manequins. Ficam bem na foto, secas, joãocabralinas,
mas na vida real ninguém quer comê-las, perdão, ninguém quer pronunciá-las,
pois não dão prazer, digo, não expressam a verdade sobre o mundo que ora se nos
apresenta.
Eu
compreendo Danton Jobim, Prudente de Moraes Neto e Pompeu de Souza, bravos
jornalistas que no final dos anos 1940 promoveram, diretamente da redação do
Diário Carioca, um enxugamento disciplinatório das expressões. Precisavam dar um
padrão comum ao texto, torná-lo menos adjetivoso, literoso e cabeludo. Ordenavam
ao copidesque que ceifassem coisas como “ladrão contumaz!”.
Olhando em volta, porém, a
sensação é que o dicionário em voga não verbaliza mais o pasmo civil diante do
despundonor vigente. É preciso encher a boca de novo e trazer de volta essas
palavras-desabafo, as mais gordurosas e descabeladas, inclusive, como pedia o
poeta, os barbarismos universais. Dar-se-ia preferência às polissílabas
proparoxítonas. Elas têm o volume sonoro de um paralelepípedo, pesam, machucam.
Servem mais ao que se quer: atirá-las com raiva no quengo de quem merece.
Os acusados
de desviar milhões de reais não são apenas formadores de quadrilha, como quer a
acusação fria da justiça. Trata-se de uma súcia de ladravazes contumazes! – e é
assim, botando-se os bofes dos vocábulos para fora, que a choldra pútrida de
patifes merece ser nomeada.
Esses desabafos
antigos tinham uma sonoridade aviltante. Ninguém precisava conhecer o seu
significado exato para sentir que pocilga cheirava mal e que nela todos seus
frequentadores, os porcos que agora se locupletam das riquezas nacionais,
deviam chafurdar na lama de suas vilanias.
Essas
palavras vinham com um ponto de exclamação embutido, prenhes de indignação e
urgência contra o escárnio – mas lá se foi também a interjeição, coitada!, uma
bengala que reforçava a repulsa a essa ignomínia atroz.
É uma pena, um verdadeiro acinte,
que, assim como os cofres públicos, a língua nacional tenha sido roubada de expressões
tão ferozes e necessárias. Além dos rigores da lei, deveriam ser impostas palavras
definitivas, como salafrário e sicário, a todos esses desavergonhados do
momento – e a sede nacional por justiça teria ainda o gosto dessas pesadas
condenações do vocabulário.
Isso é um achincalhe! Bando de sacripantas!
Comentários
Postar um comentário