*Queridos, achei uma crônica do nosso muso que não estava no Blog. Lá vai!
Papai Noel
estava colocando em minha árvore de Natal o jogo de tabuleiro “Desafio carioca”,
uma sacada do jornalista Luiz André Alzer, em que o desenvolvimento da
brincadeira se dá através do rodar dos dados e do conhecimento sobre assuntos
da cidade. Foi aí, resolvido a testar o bom velhinho com os seus saberes sobre
o Rio, sua cultura e malandragens, que danei a formular minhas próprias perguntas.
É bola ou
búlica? Qual o prédio mais alto da cidade? Onde o bonde faz a curva? Com ou sem
colarinho? Das ruas que começam na Vieira Souto, qual a única que não cruza a
Visconde de Pirajá? Que tipo de princesa habitava a Casa Rosa da Rua Alice?
O bom velhinho
ia fazendo aquele “ho ho ho” simpático para todas as questões e eu não o culpei
pela ignorância dos fatos, coitado, pois ele só aparece por aqui uma vez por
ano. Seria maldade continuar perguntando se, indo da Zona Sul para a Zona Norte,
ele pegava o André ou o Antonio Rebouças? Se ele sabia o bairro onde morava a “desinibida”,
não confundir com a “desquitada”, de “As cariocas”, do Sérgio Porto? Ou quem
era aquele cara sentado há um tempão, sem se mexer, na porta da Fiorentina?
Se o Brasil não
conhece o Brasil, como diz a música do Aldir Blanc, o carioca desconhece cada
vez mais o que lhe é inerente, o que vem em cima do filé Osvaldo Aranha, em que
delegacia dá plantão o detetive Espinosa ou o que construíram no lugar do Café
Nice. Seria sem propósito perguntar ao bom velhinho que produto redunda da
mistura de polvilho azedo, leite e ovo. Ou qual a fórmula da vaca preta.
A cidade vai
fazer 450 anos na virada da folhinha e até hoje há quem não saiba responder “cadê
a estátua do Estácio de Sá?”, o refrão do samba que Billy Blanco fez para
saudar a passagem dos 400 anos. A cidade se ignora. Não falo nem de questões
recentes, do tipo onde está o Amarildo?, onde foram parar as vigas da Perimetral?,
ou quem é o autor do grafite “fui crime, serei poesia”?. O Rio não quer saber,
e tem raiva de quem sabe. Desinteressa-se do que lhe vai além do quarteirão e
do seu tempo de existência.
Quem, sem consultar o GPS,
guiando-se apenas pela escrita e a vivência das ruas, seria capaz de acompanhar
o personagem de Rubem Fonseca em “A arte de andar pelas ruas do Rio”? Ele sai da
Avenida Passos, chega ao Beco do Tesouro, pega a Gonçalves Ledo, desemboca na Rua
Visconde do Rio Branco – e dá de cara com uns carros vermelhos. Em frente a que
prédio ele está?
Os 450 anos do Rio, com o
lançamento de dezenas de livros e aplicativos, vão fazer com que o carioca pare
de reclamar da vida, preste atenção na cidade e responda rápido: olhando do Arpoador,
do mar para dentro, qual a ordem certa em que estão a Pedra Bonita, a Pedra da
Gávea e o Dois Irmãos? Onde está o tatuí que estava aqui? Quais as cores do bloco
“Me beija que eu sou cineasta”? E afinal, o bonde São Januário leva mais um
operário ou mais um vascaíno otário?
Em 2015 a cidade vai ter suas
histórias reviradas pelo avesso, como estão fazendo agora com o asfalto da
Avenida Rio Branco, e eu torço para que finalmente todos saibam o que a Luzia
perdeu na horta do Horto, que sujeito era aquele, “de fracasso em fracasso”, seguindo
pelas ruas de Copacabana, e qual o grupo do macaco. É uma pena, a propósito,
que o rádio não apresente mais o programa “Pergunte ao João” pela voz e o
ectoplasma do locutor Jorge da Silva, o popular Majestade.
A cada buraco que se abre para um
metrô eu tenho a impressão que de lá sairá a ossada da Dana de Teffé, o cofre
que os guerrilheiros roubaram do Ademar de Barros, a Taça Jules Rimet derretida,
os leões do Monroe, o maiô Catalina da Adalgisa Colombo e, principalmente, o
portal subterrâneo que faz a comunicação com o túmulo do faraó sob a Pedra da
Gávea e o heliporto de OVNIS no cocuruto da sua esfinge.
É mistério demais, inguinorâncias do tamanho da restinga de
Marambaia, e o povo, que desde Noel perguntava “onde está a honestidade?” – e ficou
sem resposta – agora vai saber de tudo. Que viúva deu nome ao morro? Qual o
paradeiro do menino Carlinhos? Com quantos peixes se faz a sopa Leão Veloso do Rio-Minho?
E quem é ela, quentinha, gostosa, doce ou salgada, que o homem da rua oferece
baratinho como sendo uma delícia de Piracicaba? A Sabrina Sato? Eu quero!
Enfim, começa agora um festival
de informações sobre o Rio de Janeiro, algo tão necessário quanto o VLT do
Porto Maravilha e a linha 4 para a Gávea. Quem somos nós, quem era a Dama de
Preto do Ibrahim, quem é a cantora Hanna dos postes, quem sabe o mal que se
esconde nos corações humanos e que político corrupto, só pode ter sido um, ficou
com o tesouro dos jesuítas enterrado no Morro do Castelo? Já fui crime, já fui poesia
– que em 2015 a cidade seja memória e simpatia.
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