É Camila Pitanga na garupa da
moto, um espetáculo que não vai ao ar nem depois nem antes do Jornal Nacional. Ela
tem cruzado por aqui sem tirar qualquer onda, porque de ondulada já lhe basta a
cabeleira que vai ao vento.
Camila pega a Ladeira Ary
Barroso, passa pela casa do próprio, reformada recentemente com uma arquitetura
contemporânea, no meio da mata. Adiante tem o Bar Point da Amizade, onde está
tocando “Te ensinei certim”, da Ludmilla. Na esquina, na quadra da Fapec, Camila
poderia pegar à direita. Ir para o Morro do Chapéu Mangueira, onde brilha a
casa de sua madrasta, a senadora Benedita. Hoje não. Camila dobra à esquerda. Vai
gravar uma cena no Morro da Babilônia.
Este é o morro do momento, o
real, aquele que na ficção deu nome à novela. Em 1959 serviu de cenário para “Orfeu
negro”, Oscar de filme estrangeiro para o diretor francês Marcel Camus. Depois
foi documentário de Eduardo Coutinho. É um morro da Zona Sul. Tia Ciata não esteve
aqui. O ídolo é Junior Negão, do beach soccer, ex-morador. Um morro que não dá
samba, mas seu nome sugestivo inspira outras artes.
Ele fica escondido no Leme, atrás
da muralha de edifícios da Avenida Atlântica, atrás ainda dos paredões de
outros tantos das ruas Gustavo Sampaio e General Ribeiro da Costa. Não adianta procurar
no Google Maps. Diz que é na Urca.
Camila, sempre na garupa da moto que
a Globo alugou no serviço de moto táxi da comunidade (R$2,50), entra na Rua Um
e dá de cara, digo, dá com o rosto de divinos contornos no painel de azulejos assinado
por X-Dog e Plebe. São dois artistas argentinos. Em metade do mural eles se
inspiraram nos dourados do austríaco Gustav Klimt. Na outra metade, nos cacos
de Selaron da escadaria da Rua Joaquim Silva. Os argentinos perceberam: na
babel da Babilônia, a Escola de Viena e a Lapa têm peso igual.
À esquerda de quem continua
subindo na garupa com Camila, logo depois da obra do 11º hostel do morro, surge
uma igreja batista, uma das 12 da comunidade. Na fachada, a inscrição dramática,
com direito a uma cruz em vermelho: “Deus quero muito mais de ti”.
Novela dramática é o que não
falta e para isso a atriz está aqui. Ela segue pela Rua Um até a Rampa, uma
praça depois do posto da UPP. Desce da moto. Na batata da perna, sobe 48
degraus até a laje do Sandro, onde grava a cena que foi ao ar no primeiro
capítulo e mostra aos pés de Camila o alumbramento carioca da curva da praia de
Copacabana. No movimento da câmera para a esquerda, vê-se o cenário
estupefaciente do cocuruto do Pão de Açúcar até os morros de Niterói.
O morro podia estar bem melhor. Ainda
é preciso à moradora do prédio verde na Rua Um colocar na porta de casa o
cartaz “Seu Porco e Sua Porca, aqui não é lixeira. Estou de olho”. Já foi pior.
Isso aqui inspirou poema triste. Carlos Drummond, copacabanense da Rua Rainha
Elizabeth, escreveu “à noite, do morro descem vozes que criam o terror” – e para
não restar dúvida sobre que morro era, de onde vinha o som do medo, o velho
bardo pôs no alto dos 15 versos o título “Morro da Babilônia”.
O bicho já pegou geral, agora
Camila Pitanga é quem sobe do asfalto para se aproximar das vozes do céu
carioca. O prefeito Eduardo Paes come feijoada de frutos do mar no Bar do
David, um cinco estrelas na requintada categoria carioca de gastronomia de
botequim. Breve, quem também subirá pela Ladeira Ary Barroso será Bruno
Gagliasso. Seu personagem na novela, Murilo, um gigolô do Leme, acrescentará a
personagem de Sophie Charlotte ao seu book de prostitutas. Ele é o mal em
pessoa, mas ao Babilônia isso não importa. Dá-se uma chance.
Gagliasso subirá a ladeira, mas dobrará
à direita, na direção do Chapéu Mangueira. Parará no primeiro portão, o da
Fapec. Ali, vai lutar muay thai, não se sabe ainda com que propósitos. Penca,
um ídolo da comunidade, será o mestre dos golpes. O esporte lhe deu uma chance
quando garoto de fugir das drogas e ele agora retribui. Trabalha com 400 meninos
da comunidade, uma tentativa de educar a molecada para longe das tentações. Semana
passada, num intervalo das aulas, sentado num banco do ônibus do sacolão, Penca
descascava uma laranja. A cada menina que passava, perguntava com carinho: “E
aí, princesa, vai treinar hoje?”.
Este é o Babilônia, agora no
horário nobre. Moças suíças criadas com o melhor leite A do mundo saem do
hostel e passam arrastando sandálias havaianas entre policiais da UPP. Eles exibem
as armas engatilhadas, parecem estressados, todos prontos para revidar um
ataque suicida de traficantes sanguinários, algo que desde a ocupação pacificadora,
em 2009, jamais aconteceu.
A invasão ao Babilônia agora é a das
equipes de filmagem. Não tratam mais com bandidos. Combinam tudo com o produtor
artístico do morro, Rafael Rodrigues, amigo de Regina Casé, dono de um book com
fotos de modelos da comunidade e de cenários para set. Foi assim que a linda
atriz começou a subir no lombo da moto.
Na semana passada, Sandro, o dono
da laje, já recebia propostas para transformá-la num mirante. Não parecia
disposto a dividir com estranhos o seu posto privilegiado sobre o paraíso – e dali
esticava o olho sobre o que ia lá embaixo, controlando do alto do Babilônia o
movimento da Malhadão 22, a barraca que tem na areia do Leme. Fica ao lado da
barraca da personagem de Camila Pitanga, a Ponto do Macarrão 08. São
concorrentes, mas tudo na paz, tudo nessa adorável confusão carioca de nunca
saber onde termina a vida real e começa o capítulo da novela.
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