Cartas cariocas (18/05/2015)

Do leitor José Paulo Guarabyra Vellmer: “Você se lembra do Sheik, que vendia cocada? Do Camundongo, que morava num carro velho em frente à igreja do Largo do Machado?”. Meu caro Guarabyra, você se lembra do Jimmy, que cheirava éter em Copacabana e um quarteirão antes já se o pressentia? E o Pedro das Flores, vendendo rosas aos casais para disfarçar sua própria desilusão amorosa? E aquele maluco-beleza da barca Rio-Niterói, que se intitulava campeão mundial no zigue-zague de costas? Qual era mesmo o nome dele?

De Dulcídio Barbosa Leite, 86 anos, sobre o texto “A asma do negócio”: “É isso aí, Joaquim! Lu-go-li-na neles!”. Meu caro Dulcídio, o bonde deixava muito a desejar como veículo de transporte, mas para propaganda era melhor que as plataformas digitais. Todo mundo lia e — Rum Chreosotado neles! — a bronquite ainda sumia.

De Carlos Horcades, do Horto: “Cigarras cantam, cruzam, põem ovos, morrem e as larvas vão para baixo da terra, onde ficam 18 anos até metamorfosearem de novo. A seguir saem, cantam, cruzam e morrem secas no tronco. Tudo isso por uma cantoria e uma breve trepada. As cigarras acabaram em Ipanema porque os terrenos foram cimentados. As coitadas não têm como voltar à civilização”. Meu caro Horcades, o buraco do VLT na Rio Branco veio para ressuscitar a cigarra carioca. Já descobriram uma palheta do Noel Rosa em frente ao Café Nice e um cartão picotado da Elizeth Cardoso no Dancing Avenida. Aguarde. As cigarras morrem num buraco mais no fundo.

De Ademir Figueiredo, sobre o texto “O Rio fica longe”: “Eu, Grande Mestre Propagador da Confraria dos Sevandijas Abjetos, que tem entre suas missões avaliar ‘pé-sujo’, solicito a localização do Bar do Seu Joia”. Meu caro Ademir, o Seu Joia fica bem longe do bairro da gourmetização, num quarteirão proibido às pessoas que falam “saladinha”, “sopinha”. Nada lá é diminutivo, mas prato cheio.

Do leitor José Marques S. Faria, sobre “Os próximos 450 anos”: “Você só enxerga mazelas sobre o Rio. Serão suas críticas construtivas?”. Meu caro Marques Faria, o general Figueiredo disse uma vez que estava com “astigmatismo nos olhos” e ouviu de um amigo que aquilo era pleonasmo. Foi aí que Figueiredo desabafou: “Astigmatismo, pleonasmo, cada um me diz uma coisa...”. Em jornalismo não se diz outra coisa: “Enxergar mazelas” é pleonasmo, o resto é prosopopeia. Quem constrói é engenheiro.

De Pinheiro Machado, Curitiba, sobre “Papo reto”: “Olha esse depoimento de um preso do Rio em 1950: ‘Depois de aliviar umas penosas cantantes, fui até a panela que apita esperar um rabo de saia. Como estava com o estômago comichas-não-comichas, sobe-não-sobe, fui até um chinapao....’” Meu caro Pinheiro Machado, eu escurrupichava nesse chinapao até que deu cheira-cheira e, babau, grogotó de galhetas — se é que o Google Translate me faz traduzível.

De Leonardo Fuhrmann: “Senti falta do João Antonio na lista dos cronistas andarilhos”. Meu caro Fuhrmann, sei lá por qual calçada eu andava quando deixei o João fora dessa, eu que tantas vezes, lá pelos 1981, bati perna com ele saindo da redação da Veja pela Rua do Passeio. Cruzamos os Arcos, sentamos no Bar Brasil da Mem de Sá e pedimos ao garçom, ei, Chico, põe aí uma lentilha garni no capricho que é pra dois andarilhos esganados.

De Luciano Lopes: “Apoio o tombamento do vento que passa nos pilotis do Palácio Capanema. Ainda que ele não seja intangível, ele é invisível e pode ser descaracterizado pelas construções que se permita fazer a barlavento, como o prédio da ABL e seu vizinho do Clube da Aeronáutica”. Meu caro Luciano, que se tombe ainda a maresia no Posto 9, a formação em seta dos biguás sobre o Leblon, o barulho quando se chuta a areia fina e a fumaça das sardinhas sendo fritadas no Beco das Concertinas.

De Roberto Franco, da Tijuca, sobre “Balança, Jorge”: “Estou vendo como se fosse agora. Jorge Ben, o Babulina, em frente ao Madri na Haddock Lobo, na saída da Barão de Ubá, com toda a turma em volta, usando mocassim branco e japona com botões prateados”. Meu caro Franco, se você olhar para a esquerda, de camisa Ban-Lon vinho, é o Erasmo saindo do curso Ted. O bacana carregando o piano é o Dick Farney, abrindo o fã-clube do Sinatra. Sem falar no Zuzuca descendo o Borel. A Tijuca é a nossa Abbey Road.

De Henrique Rodrigues Vieira, de Teresópolis: “Vi dois leões enfeitando uma praça interna de um condomínio na estrada do Pontal, no Recreio, a menos de um quilômetro do acesso à Prainha, e o corretor me informou serem os do Monroe”. Meu caro Henrique, esses leões já estiveram no Recife, em Uberaba, e se foram vistos na Prainha é sinal de que estão voltando para a escadaria de onde não deviam ter sido assustados. É bom motivo para que se inicie aqui a campanha fundamental de retomada dos grandes valores da carioquice geográfica. Pela reconstrução do Palácio Monroe! Pelo imediato reerguimento do Morro do Castelo!

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