Imposto de renda (27/04/2015)

Aos senhores responsáveis pelo Imposto de Renda do Ministério da Fazenda, dentro do prazo exigido para a entrega da papelada sobre os meus bens, declaro que sou extremamente rico de rendimentos isentos e não tributáveis. Nada a pagar, nada a ser restituído.

Tenho respirado sem esforço ou auxílio de qualquer aparelho o oxigênio ainda generosamente gratuito que é servido pela natureza. Zero de dívidas e ônus reais. Pelo contrário, os lucros e dividendos, todos rendendo juros de capital próprio, são enormes e aqui vão declarados. Nasceu mês passado a minha neta, Vera, e ao visitá-la ainda ontem pela manhã vi seu irmão, Eduardo, contando a história do Capitão Gancho para que ela dormisse. Essas heranças, por mais valiosas e carregadas de benfeitorias à vida de um cidadão, não são tributáveis.

Não obtive ganhos líquidos em operações com ouro ou em ativo financeiro nas alienações realizadas até R$ 20 mil por mês. Como brasileiro honesto e firmemente disposto a revelar todo o patrimônio que possuo, devo-lhes dizer, porém, que hoje, ao nascer do dia, dei uma caminhada na Praia de Ipanema. Senti no rosto uma temperatura alguns graus abaixo da que estava na semana passada, um vento carregado duma brisa um tanto ou quanto fria, mas gostosa, tudo naquela sensação de que finalmente havia chegado o outono e que na próxima caminhada seria bom trazer um casaco esportivo.

Houve também incorporação de reservas ao capital afetivo, pois vi amigos queridos galgarem postos importantes na caminhada intelectual e outros ainda vencerem doenças lamentáveis, que insistem em atravancar o caminho dos homens bons. As bonificações em ações conseguidas com isso proporcionaram uma vida menos estressada. O declarante optou pelo Simples Nacional, com transferências patrimoniais suficientes para tornar-se um ser humano melhor e isento, finalmente, de qualquer desses tributos que a Receita Federal com muita correção faz incidir sobre os homens ranzinzas.

Não houve meação ou dissolução da sociedade conjugal, mantendo-se os sentimentos amorosos na mesma alíquota do ano calendário de 2013 e, melhor: com todas as bonificações decorrentes dessas doações a longo prazo. Os rendimentos tributáveis recebidos pelos dependentes também são nulos. Uma relação entre amantes maduros só se faz vitoriosa quando o patrimônio de reservas incorporado é a independência. Ninguém depende de ninguém, e sobre tal não quero que paire qualquer dúvida de possível sonegação fiscal. Tudo é dito, nada fica retido na fonte — e os anos de exercício, graças a Deus, vão se acumulando, sem a necessidade de recorrer às letras hipotecárias ou a outros fundos. Ninguém aqui exerceu a atividade rural, embora cada um pudesse aplicar seu desejo onde bem quisesse. A dependência é morte, e foi enterrada na linha que pergunta sobre a existência de espólio. Noves fora, todos vivos.

O que ia para o carnê-leão da pessoa jurídica foi aplicado numa assinatura da revista “Vida Simples”, um investimento feito na certeza de que nesta existência cheia de tributos é preciso plantar alguma semente e agradecer a generosidade de, apenas com água e carinho, fazer brotar novos mundos. Obrigado, mãe Terra, pelos dividendos. Nenhum imposto a restituir, muito menos o de exigibilidade suspensa.

O economizado com o carnê-leão da pessoa física foi dirigido para aulas de aprimoramento do back-hand no tênis, do cabeceio no futevôlei e na compra de bons elásticos para flutuar com suavidade entre os coqueiros da praia. Esses benefícios indiretos fizeram balançar o esqueleto de um lado para o outro e renderam dividendos ao patrimônio saudável, com proventos que certamente já serão declarados no próximo ano-calendário. Um espírito que anda fica aquietado, as carnes lubrificadas. Só assim o titular do CPF pôde sentar na cadeira Herman Miller, seu único sinal exterior de riqueza, e não precisou declarar, como não faz agora, qualquer rendimento de pensão por moléstia grave ou aposentadoria.

Foram desprezados solenemente, como está na página sete, todos os pedidos de doações para partidos políticos, e peço, por obséquio, que tal informação seja passada de imediato ao doutor juiz Sérgio Moro.

As informações do cônjuge ou da companheira seguem em branco porque os números tentados para seu preenchimento se mostraram insuficientes em discriminar sobre felicidade, bem-estar ou projeto de futuro, que é o que parece interessar quando se fala na vida com essas pessoas. Os bens quereres, senhores responsáveis da Receita Federal, devem permanecer indeclaráveis. São segredos sussurrados entre quatro paredes e fora do alcance de qualquer malha fina que não a rede dos amantes. Amor não é imposto. Não oferece rendimento tributável de pessoa física, por mais físico que em alguns momentos ele simplesmente precise ser. Amar é atributo a ser restituído com o sublime dos gemidos, jamais tributo a ser pago com o boleto do DARF.

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