Outras mulheres (13/07/2015)

Deus me livre e guarde do açodamento jornalístico de concluir sobre a superioridade de qualquer uma sobre qualquer outra, mas eu acabei de ver na Galeria da Gávea a exposição de fotografias de Antonio Guerreiro, o fotógrafo das mulheres bonitas dos anos 1970, e só os mais distraídos não perceberiam o mesmo que o meu par de olhos estupefatos – elas eram muito diferentes das que agora estão na moda.
Não há nisso qualquer juízo de valor, apenas o óbvio da constatação. É difícil acreditar que a bunda elegantemente tímida de Sandra Brea, na sinceridade de seus redondos, fosse a versão 1975 dos glúteos hiperbolicamente malhados da carroceria 2015 de Kim Kardashian. Dito isto, por aqui paro. Só os mais apressados cravariam preferências sobre o que o poeta chamou um dia de “latifúndio dorsal”. Peço licença para neste pleito mandar Dalton Trevisan em meu lugar: “Nua e louca em seus braços, me diga qual mulher é feia”.
Por mais que se reconheça nas musas de Guerreiro os mesmos formatos desse  encantamento visual que ainda vem e que ainda passa, no doce balanço da nossa eterna fascinação, aquelas mulheres, e ele flagrou também as dos anos 1980, tinham outro desenho. O personal trainer não vestia Nike. Era Deus.
Os nostálgicos, a propósito, têm aproveitado a exposição para criticar o Todo Poderoso. O Designer Supremo estaria fracassando no interminável projeto de aperfeiçoar o layout de sua mais genial tradução. As novas versões nas ruas estariam artificiais demais. Pouca poesia, músculos em demasia. Qual a necessidade, perguntam os críticos dessas modernidades Divinas, de transformar num bigodinho Hitler as retas do triângulo púbico que contrastavam com as sinuosidades ao redor e adornavam o centro do mundo? Um coiffeur aparava o triângulo de La Brea – hoje a cera agrotóxica desbasta e despersonaliza.  
É evidente o esforço Dele, em Sua misericordiosa bondade, de caprichar, e a cada geração reinventar a mulher – mas, depois de comparar os peitos placidamente espontâneos de Sonia Braga com os balões perigosamente turbinados da moda, sempre pondo em risco os olhos dos mais próximos, os Mulherólogos Orgânicos do Antigo Testamento acham que o Santo Homem foi longe demais. Ele deveria ouvir o filósofo Neném Prancha, aquele que aproveitava o futebol para raciocinar sobre a vida e tudo que lhe era inerente: “Não se mexe em time que está ganhando”.
As mulheres de Antonio Guerreiro, e entre elas está ainda Leila Diniz, parecem inspiradas na receita de beleza de Vinicius de Moraes. Ele achava fundamental que se fizesse levemente à mostra, como está na foto da modelo Andrea Dellal, a existência de saboneteiras, rótulas, pontas pélvicas e todos os demais apetrechos do esqueleto, na compreensão sensível de que o sublime “da criação inumerável” está até na mais incalculável imperfeição. As panturrilhas, o quadríceps femural e a barriga tanquinho da Gracyanne Barbosa ainda não faziam parte da receita. Se as novinhas querem se formatar assim, que se erga assim uma nova raça – e tenho certeza que Vinicius, de uma nuvem sobre Ipanema, aprovará. Ainda não será desta vez que as retinas de qualquer poeta – diante das musculosas Rihana e Nicole Bahls – se fecharão fatigadas e condenatórias.
Na capa da revista Playboy, que chegou às bancas no mesmo dia em que as fotos de Guerreiro chegaram à Gávea, está a MC Tati Zaqui numa pose em que ameaça atirar uma bomba de dinamite no leitor. A mensagem embutida na imagem não se refere à resposta feminina ao assédio voyeur. Pelo contrário. É a sugestão do potencial de sexo que a moça pode oferecer, a vontade tão na moda de ser cachorra e pegar geral. Os piercings, espetados mais abaixo, onde os anos 1970 não poderiam imaginar, parecem os chifres de um diabinho, prontos para a destruição do parceiro.
Já nas mulheres que sobem sem aflição pelas paredes da galeria da Gávea há uma sensação de conforto em seus corpos, todos delicadamente arredondados, nenhum deles com os pelos crispados no anúncio de que virá em seguida uma guerra particular. Luiza Brunet, da geração dos anos 1980, exibe os seios pequenos, no mesmo desenho clássico da Vênus do Boticelli. Olha para a lente com cumplicidade. Ela não arreganha os dentes nem estica o dedo malcriado. Deixa isso para a garota da capa da Playboy, que atendendo a nova demanda erótica de redesenhar o corpo da mulher apresenta agressiva a bunda que na poesia erótica de Drummond era dada como engraçada. Amor rimava com humor.
As musas de Guerreiro são desta estirpe, pacificadas, nem melhores nem piores às que as seguiram, mas macias, silenciosas, sem coreografias explícitas. Têm o olhar sereno de que controlam a cena. Parecem prontas para a comunhão do sexo doméstico, o pote de mel nos lábios da gueixa, o portal de Jade no jardim das delícias. Sugerem que depois se pegará no sono profundo do dever cumprido, no sonho cósmico do dormir de conchinha, e que ao chegar a manhã, anunciada na janela esquecida aberta, será servido o religioso café com leite dos casais.



Comentários

  1. Prezado Joaquim,

    Admiro seu modo de escrever e os assuntos que você traz, mesmo que para alguns não sejam tão atraentes. Rio sozinho com sua fina ironia e outras inúmeras figuras de linguagem. Não leio sempre pois só compro jornal aos fins-de-semana. Após ler esse texto, quis comentar e acabei descobrindo este blog. Vou acompanhá-lo.
    A esse último texto, gostaria apenas de acrescentar que não é culpa d"Ele se algumas mulheres, no afã de parecerem melhores, se enchem de silicone e mudam seus corpos através de malhação e bisturi. Acabam, como você mesmo disse, tornado-se artificiais.
    Quanto ao que fazem com seus triângulos púbicos, martirizando-se em depilações com cera, eu faço uso de minhas mãos e dou-lhes meus aplausos. Além de ficarem mais palatáveis, parecem-me mais formosas.
    No mais, quero parabenizar a você pelo espírito da coluna e pela beleza e leveza da escrita.

    José Fernando

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  2. Os homens gostavam dos pelos pubianos,eu gosto até hoje... nos homens.

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