Memória é um prato que se come
quente. Antes do Lasai, o melhor restaurante de 2015 segundo o delicioso Rio Show
Gastronomia, havia o Rond Point, na esquina de Fernando Mendes com Nossa
Senhora de Copacabana. Servia uma sopa de cebola que entrou para a história da
cidade. Não teve culpa se também entrou para a história da cidade por ceder sua
calçada para que ali desabasse o corpo gordo, enfartado, de seu comensal
Antonio Maria.
O compositor de “Ninguém me ama”
era crítico informal de gastronomia aqui no GLOBO. Comia como amava as mulheres.
Sem preconceito, com gosto e toda dedicação. Recomendava aos leitores o filé
lanhado no sal grosso da churrascaria Parque Recreio, no Flamengo; a galinha
frita no Grego, na Barata Ribeiro; e a feijoada do Sacha’s, na Antonio Vieira,
no Leme. Pedia que não se desse muito valor aos preços cobrados nas notas, pois
existir e ter prazer estavam acima dessas trivialidades: “A vida, apesar de
pequena, sempre foi maior e mais roubada que as notas dos restaurantes”. O homem
chamado Maria vivia com urgência as suas paixões. Fez bem. Morreu com apenas 42
anos. Os restaurantes acima também fecharam todos.
Antes da
barriga de porco à carbonara do Puro, no Jardim Botânico, a melhor novidade de
2015, havia o chucrute do Alpino, na Epitácio Pessoa; o espaguete do Rodolfo
Botino no Madrugada, em Botafogo; e o cardápio para comer celebridades no Antonio’s,
o restaurante da boemia intelectual da Bartolomeu Mitre, no Leblon. Servia-se
ali o filé a Chico Buarque (patê de fígado e molho Madeira), num tempo, antes
da moda do vinho, em que se acompanhava a comida com doses de uísque. Depois da
sobremesa, um punhado de histórias. Numa madrugada, o salão já transformado no
clube em que todos se conheciam, as mesas foram colocadas para o canto, e aumentou-se
o volume da música. Foi aí que o jornalista Zózimo Barrozo do Amaral, um galã
ainda mais charmoso dentro do smoking com que havia chegado de uma festa da alta
sociedade, tirou para dançar a atriz Tônia Carrero, a mulher mais bonita da
época. Ao fundo, Sinatra cantava “Strangers in the night”.
Antes do
Esplanada Grill, a melhor carne de hoje, havia a língua com páprica do Lucas,
na Avenida Atlântica; o sanduíche aberto do Helsingor, na San Martin, no Leblon;
e os presuntos do Vilariño, na Presidente Wilson, onde um dia Tom Jobim foi
apresentado a Vinicius de Moraes. Foi no tempo em que o Centro tinha boemia
intelectual. A turma reunia-se também no bar do hotel Serrador, na Senador
Dantas. Bebia-se muito, mais do que se comia o ótimo croquete de carne. O único
problema foi apontado numa crônica famosa por Paulo Mendes Campos, que
freqüentava o bar sempre na mesma mesa com Joel Silveira. O banheiro, no
segundo andar, obrigava o bebum a uma escalada de alto risco.
Antes do creme
de ricota de ovelhas do Rafa Costa e Silva, o melhor chef de 2015, havia o
caldo verde da Lindaura, a comandante do Beco da Fome, na Prado Júnior, e o
frango a Kiev do chef russo Gregoire Belinganski, o primeiro de todos, na
cozinha do Vogue, na Princesa Isabel. Copacabana foi o bairro, muito antes de o
Azumi, na Viveiros de Castro, levar o prêmio de melhor oriental, que ensinou a
cidade a comer. No Bife de Ouro do Copacabana Palace, Ibrahim Sued escolhia,
sempre sem problemas, o chique chateaubriand com sauce bérnaise. Um dia, no
entanto, serviram-lhe uma cerveja com a temperatura acima da que julgava ideal
para a sua degustação. Foi um deus nos acuda! O “turco” jogou a garrafa para o
alto e a fez espatifar, escandalosa, como se os cacos também gritassem “sabe
com quem está falando”, no meio do salão.
Antes do elegante
bacalhau de nata do Antiquarius, o melhor português de 2015, havia o sarrabulho
no cardápio da Lisboeta, no Campo de Santana, um banquete pantagruélico de
miúdos de porco banhados em sangue do mesmo, uma orgia de mau gosto visual
imprópria para senhoras e senhoritas. O Penafiel, na Senhor dos Passos com
Passos, também era restaurante para senhores. “Nunca ninguém saiu daqui direto para
um motel”, dizia o publicitário Celso Japiassu, observando a plateia
essencialmente masculina ao redor, um cenário de pouco charme. Não havia
cardápio. Ia-se aos fundos da loja, abriam-se os panelões e indicava-se ao
garçom a gororoba escolhida. Tudo divino, mas que dava razão a Japiassu. Sexo
ficava para outra oportunidade. Nenhum homem jamais seduziu uma mulher com um
convite para comer um prato de mocotó.
Antes do
Gero, o melhor italiano de 2015, havia a pizza pioneira da Cantina Sorrento, no
Leme, a gentil patrocinadora do programa “Almoço com as estrelas”, na TV Tupi.
Por duas décadas no ar, os artistas convidados foram servidos sempre com a
mesma sobremesa, a hoje desaparecida sacrapantina. Sumiu, assim como a
gastronomia suíça, que fazia bonito com o fondue no Chalet Suisse, da Xavier da
Silveira. Foi-se também a gastronomia alemã, que entre outras atrações servia no
Ficha, da Teófilo Ottoni, o carro alegórico da gastronomia germânica, sua
excelência o labskaus, um bolo de carne defumada, ladeado por um batalhão de
pepinos e encimado por dois ovos fritos.
Estão todos idos, comidos,
desaparecidos, e demais particípios passados. Sem eles, e aqui vai este brinde
de palavras doces, regadas com o melhor refresco de groselha da confeitaria do
agradecimento – sem eles, sem o Angu do Gomes, o food truck não estacionaria.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO sempre ótimo Joaquim Ferreira dos Santos,nesta crônica comparativa dos antigos e dos novos restaurantes do Rio,se superou.É a história gastronômica do Rio de Janeiro,relembrando personagens inesquecíveis da Cidade Maravilhosa.
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