Outros homens (20/07/2015)


Aliás, o mesmo pode ser dito sobre os homens. Basta reparar na foto de Caetano Veloso, só de cueca, e comparar com as mulheres que semana passada foram vistas posando aqui nesta coluna. Elas queriam novas belezas; eles querem se desobrigar da fortaleza de grandes heróis e Senhores. Mulheres e homens estão todos unidos na necessidade comum de inventar uma outra história para se aguentar vivo e ganhar um like no novo Instagram da vida real.

Se, conforme estava sendo dito na última edição destas maltraçadas, as mulheres dos anos 1980, estrelas da exposição de fotos de Antonio Guerreiro na Galeria da Gávea, apostavam nos contornos arredondados e as de hoje preferem os traços marombados, os homens também procuram um jeito qualquer de repaginar a espécie.

Eles já foram graves, forçadamente compenetrados de suas lideranças para o destino da família e da humanidade. Posavam agressivos, como se isso lhes fosse uma obrigação de índole bíblica. Cansaram, ficaram démodé. A força bruta, o machismo, a cantada, o peito cabeludo, a coçada de saco, a traição, a teúda-e-manteúda, a corrupção, a grosseria — todos esses orgulhos da espécie saíram de moda e vivem apenas na tirinha do Brucutu, o herói das cavernas. O macho antigo já era. O novo, aquele que prefere cheirar a rolha do vinho ao cangote dela, também não agrada. Procura-se desesperadamente, todos perdidos na selva urbana, o lenhador sensível.

Por isso, quando eu vi a foto do velho baiano às gargalhadas — cueca fora do estilo Neymar, barriga proeminente ecoando o seu refrão clássico do “não ao não”, fora da ordem mundial da academia Smart Fit — dei o meu like no Instagram. Caetano tem uma música, “Peter Gast”, em que diz ser “um homem comum, qualquer um, enganando entre a dor e o prazer”. A foto, de mau gosto óbvio, era quase uma tentativa de provar isso — mas evidentemente Caetano mora bem depois, do outro lado, do lado que é lá do lado de lá, do homem comum.

Um dos inventores de uma pátria superior àquela em que de fato vivemos, ele já podia estar posando para o molde da estátua. Prefere não. Na foto que abalou o Instagram, em que posa junto de outros dois baianos, a garota que segurava o tchan e o marido dela, o do rebolation, ele está jogado no chão do camarim. Sorri, nem aí para o que vão achar de sua barriga de trigo. Teclei o curtir na desconfiança certeira de que o humor do homem que ri de si mesmo é o novo músculo moderno.

A primeira vez que uma cueca apareceu em público vestindo uma personalidade nacional foi em 1946. Tratava-se da samba-canção do deputado Barreto Pinto e, dentro dela, havia trapaça e moralismo. Os repórteres David Nasser e Jean Manzon, da revista “O Cruzeiro”, vestiram a parte de cima do político com um fraque e cartola. Disseram-lhe ser desnecessário colocar uma calça sobre a cueca, que ela assim ficasse, despudoradamente à mostra, pois só fotografariam a parte nobre dele, o Barreto, e o Pinto, mesmo com a providencial cobertura da cueca, ficaria de fora da edição da revista. A foto saiu de corpo inteiro, é claro, custando a Barreto Pinto a cassação do mandato por falta de decoro regimental.

Hoje, os novos deputados estão todos nus em seus ternos escuros, as gavetas de casa arrombadas pela Polícia Federal, e o decoro de vossas excelências mede-se não pelo que sugere a cueca, mas pela movimentação das contas no banco suíço. São homens bem feios, muitos deles presos e os demais esperando com apreensão o jornal de amanhã. As mulheres, que há milênios aperfeiçoam seus radares na detecção dos bonitos, desenvolveram camadas de sensibilidade para não se deixarem levar majoritariamente pela aparência arrumadinha desses poderosos. Uma vez, Danuza Leão me disse o que a fez abandonar o marido rico e bonitão pelo pobre e gorduroso Antonio Maria: “Ele me ouvia”. Achava-o lindo.

Há muitas maneiras de um homem se fazer atraente, e só os mais cegos não admitiriam, por exemplo, que olhos verdes e lábios bem desenhados saem na frente num concurso desses. Mas se a prateleira que a Kim Kardashian carrega em forma de glúteos é o novo padrão de beleza feminina, identificar esses valores de repaginação no homem moderno é ainda mais difícil.

Há os que investem em depilação, cremes de hidratação, barras de musculação e no alvoroço das tatuagens de dragão. Tenho minhas dúvidas sobre o efeito disso no desejo das mulheres. O resultado final é esse desfile de frangos inchados com hormônios, todos parecendo saídos da mesma constrangedora fábrica de vaidades. Olham-se embevecidos na frente do espelho da academia e se dão por satisfeitos, da mesma maneira que Cristiano Ronaldo, quando aparece no telão do estádio, perde o controle da bola para, que gato!, se observar estupefato.

Eu também tenho sérias dúvidas se Caetano ficou bem na foto. Suspeito até que ele tenha permitido a publicação para mostrar a vaidade leonina de às vésperas de completar 73 anos, em 7 de agosto, ainda ser capaz de se jogar ao chão e em seguida se levantar sozinho, fazer o show e sabe-se lá o que mais com os amigos baianos do tchan. Não é pouca beleza.

Num momento em que os mais jovens parecem tão aborrecidos, corruptos e crentes de que sem fazer a sobrancelha é impossível seduzir, as mulheres devem ter anotado o nome de Caetano em seus caderninhos. A gostosérrima Jessica Rabbit comeria. Quando lhe perguntaram por que ficava com Roger Rabbit, aquele coelho estapafúrdio e magricela do filme, ela se manifestou com sussurros de sincera excitação: “É porque ele me faz rir”.

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