Meu caro Roberto Pompeu de
Toledo, li com a atenção e o prazer de sempre o seu artigo na Veja (“!!!!!!!!!!!!”)
sobre a presença retumbante do ponto de exclamação na capa da primeira edição
do GLOBO. Perfeita a sua análise. Em seguida ele desapareceria, tornado cafona
pela reforma do Diário Carioca, para reviver agora no Brasil cordial e efusivo
do “Bom Dia!”, “Beijos!” e demais manifestações de carência afetiva tão ao
gosto da moderna internet.
O engraçado nesse revival,
Pompeu, é que viraram o ponto de exclamação pelo avesso. Ele sinalizava a
dramaticidade dos acontecimentos. Trazia embutido o espanto, a bomba atômica, o
circo incendiado e o corpo em decúbito dorsal do amante assassinado. Pontuava a
tragédia, o aviso em primeira mão de que na edição do dia seguinte poderia vir o
anúncio do fim do mundo. Preparem-se todos! Vai piorar!
Hoje, na grande cozinha de textos
do Facebook, o ponto de exclamação deixou de ser uma faca espetada no drama da
vida como ela é. Virou uma agulha de acupuntura. Energiza carinho boa praça no
dia a dia de nossos milhares de amigos virtuais. Tão Brasil!
Eu não sei
se você reparou, mas naquela mesma página histórica do GLOBO, lá se vão 90
anos, havia outro sinal de pontuação que os redatores da época adoravam. Aos
poucos ele foi desaparecendo ... desaparecendo ... para estar de volta hoje no
bojo dessa nova mania de todos irem para o Facebook contar, incontroláveis, o
que vai por suas vidas.
Pois é, Pompeu. Não é só o ponto
de exclamação que, assim como a boca sino na calça das mulheres e o coque na
cabeça dos homens, está de novo em cena. As reticências também. São os três
pontinhos que deixam o leitor levar a frase para onde ele quiser, três
pontinhos que hesitam ante a conclusão da ideia, três pontinhos que abraçam um
mundo de intenções, três pontinhos suficientes para um bom entendedor, três
pontinhos em fila indiana perdidos na selva da gramática...
As reticências, antes tão
tristes, revivem agora serelepes em textos onde são despejadas por seus autores
como bolinhas de caviar, para dar um pseudo-refinamento ao texto. Elas não têm
culpa de serem empregadas fora de hora, como um colar de pérolas num colarinho
da camiseta. Brilham em alta definição na tela azul cristal dos computadores. Tenho
a impressão, Pompeu, e me desculpe se ando ouvindo o eco de muitas assombrações,
que outro dia peguei uma rindo da gente, parecendo comentar, vingativa e vitoriosa,
as dificuldades atuais da imprensa. Coitadas. O problema das reticências é que
elas espalham mais dúvidas do que certezas. A Dilma, por exemplo. Na
dificuldade de encerrar um pensamento, deixa sempre uns pontinhos se
espreguiçando em busca desesperada do que é mesmo que ela queria dizer...
Em 2016, a imprensa brasileira
comemora os 70 anos da instalação do mesão do copidesque do Diário Carioca, no
prédio da Praça Mauá, o marco zero do texto de jornal moderno. Foi aí que começamos
a carnificina. Pau no ponto de exclamação, tesoura no ponto-e-vírgula, borracha
nas reticências e todo silêncio sobre os demais penduricalhos, um mundo de
sinais em que abríamos parêntesis, fazíamos dois pontos e esticávamos tracinhos.
Foram-se todos, uma cornucópia gráfica desnecessária ao propósito
jornalisticamente maior de informar com clareza. Hoje, quanto menos enfeite,
menor o risco de namorar a literatice ou qualquer outra clarice pretensiosa.
Eu tenho a impressão, Pompeu, vendo
essa multidão de exclamações e reticências do Facebook, que elas são usadas com
a mesma intenção da foto do prato de comida do restaurante chique e da selfie
do casal se beijando na Torre Eiffel. Em tempos de crise, com o dólar impedindo
novas viagens para fotos e cardápios, a pontuação vintage é a maneira moderna de
(aqui uso o ponto de ironia) agregar valor a quem busca a notoriedade nas
redes. Soam como uma semântica da ostentação. Informam, com sutileza, que o
autor delas passou pela faculdade e tem um repertório maior que o papai-e-mamãe
da pontuação em voga. Breve, esse pedante depositará na tela do feici um outro
trunfo matador. A vírgula com o ponto sobreposto será o novo preto.
Jornalistas, e você, Pompeu, sabe
melhor que qualquer um, não vestem mais reticências e nem se enfeitam com o
piercing exclamativo. São usuários do básico, de textos em jeans e camisa polo,
de fazer com que as palavras sejam acompanhadas em segurança apenas pelo
conforto elegante do ponto e da vírgula. Assim todos entendem o que querem
dizer. Reticências, cada um lê num ritmo, e isso seria mortal para uma plateia
disforme como a do jornal. São pretensiosas. Se não há mais carruagem nas ruas,
perderam o sentido todas aquelas anáguas e almofadinhas amarfanhando o texto
com o ruído de seus panos. O ideal da boa viagem agora é manter o estilo, caprichar
no texto criativo, mas tirar todos os sinais de engarrafamento entre as
palavras. Deixar o caminho livre para que elas transitem suaves e VLT até a
suprema delícia de se entregarem ao abraço carinhoso e contundente de um único ponto
final.
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