Reticências (10/8/2015)


Meu caro Roberto Pompeu de Toledo, li com a atenção e o prazer de sempre o seu artigo na Veja (“!!!!!!!!!!!!”) sobre a presença retumbante do ponto de exclamação na capa da primeira edição do GLOBO. Perfeita a sua análise. Em seguida ele desapareceria, tornado cafona pela reforma do Diário Carioca, para reviver agora no Brasil cordial e efusivo do “Bom Dia!”, “Beijos!” e demais manifestações de carência afetiva tão ao gosto da moderna internet.
O engraçado nesse revival, Pompeu, é que viraram o ponto de exclamação pelo avesso. Ele sinalizava a dramaticidade dos acontecimentos. Trazia embutido o espanto, a bomba atômica, o circo incendiado e o corpo em decúbito dorsal do amante assassinado. Pontuava a tragédia, o aviso em primeira mão de que na edição do dia seguinte poderia vir o anúncio do fim do mundo. Preparem-se todos! Vai piorar!
Hoje, na grande cozinha de textos do Facebook, o ponto de exclamação deixou de ser uma faca espetada no drama da vida como ela é. Virou uma agulha de acupuntura. Energiza carinho boa praça no dia a dia de nossos milhares de amigos virtuais. Tão Brasil!
            Eu não sei se você reparou, mas naquela mesma página histórica do GLOBO, lá se vão 90 anos, havia outro sinal de pontuação que os redatores da época adoravam. Aos poucos ele foi desaparecendo ... desaparecendo ... para estar de volta hoje no bojo dessa nova mania de todos irem para o Facebook contar, incontroláveis, o que vai por suas vidas.
Pois é, Pompeu. Não é só o ponto de exclamação que, assim como a boca sino na calça das mulheres e o coque na cabeça dos homens, está de novo em cena. As reticências também. São os três pontinhos que deixam o leitor levar a frase para onde ele quiser, três pontinhos que hesitam ante a conclusão da ideia, três pontinhos que abraçam um mundo de intenções, três pontinhos suficientes para um bom entendedor, três pontinhos em fila indiana perdidos na selva da gramática...  
As reticências, antes tão tristes, revivem agora serelepes em textos onde são despejadas por seus autores como bolinhas de caviar, para dar um pseudo-refinamento ao texto. Elas não têm culpa de serem empregadas fora de hora, como um colar de pérolas num colarinho da camiseta. Brilham em alta definição na tela azul cristal dos computadores. Tenho a impressão, Pompeu, e me desculpe se ando ouvindo o eco de muitas assombrações, que outro dia peguei uma rindo da gente, parecendo comentar, vingativa e vitoriosa, as dificuldades atuais da imprensa. Coitadas. O problema das reticências é que elas espalham mais dúvidas do que certezas. A Dilma, por exemplo. Na dificuldade de encerrar um pensamento, deixa sempre uns pontinhos se espreguiçando em busca desesperada do que é mesmo que ela queria dizer...
Em 2016, a imprensa brasileira comemora os 70 anos da instalação do mesão do copidesque do Diário Carioca, no prédio da Praça Mauá, o marco zero do texto de jornal moderno. Foi aí que começamos a carnificina. Pau no ponto de exclamação, tesoura no ponto-e-vírgula, borracha nas reticências e todo silêncio sobre os demais penduricalhos, um mundo de sinais em que abríamos parêntesis, fazíamos dois pontos e esticávamos tracinhos. Foram-se todos, uma cornucópia gráfica desnecessária ao propósito jornalisticamente maior de informar com clareza. Hoje, quanto menos enfeite, menor o risco de namorar a literatice ou qualquer outra clarice pretensiosa.
Eu tenho a impressão, Pompeu, vendo essa multidão de exclamações e reticências do Facebook, que elas são usadas com a mesma intenção da foto do prato de comida do restaurante chique e da selfie do casal se beijando na Torre Eiffel. Em tempos de crise, com o dólar impedindo novas viagens para fotos e cardápios, a pontuação vintage é a maneira moderna de (aqui uso o ponto de ironia) agregar valor a quem busca a notoriedade nas redes. Soam como uma semântica da ostentação. Informam, com sutileza, que o autor delas passou pela faculdade e tem um repertório maior que o papai-e-mamãe da pontuação em voga. Breve, esse pedante depositará na tela do feici um outro trunfo matador. A vírgula com o ponto sobreposto será o novo preto.
Jornalistas, e você, Pompeu, sabe melhor que qualquer um, não vestem mais reticências e nem se enfeitam com o piercing exclamativo. São usuários do básico, de textos em jeans e camisa polo, de fazer com que as palavras sejam acompanhadas em segurança apenas pelo conforto elegante do ponto e da vírgula. Assim todos entendem o que querem dizer. Reticências, cada um lê num ritmo, e isso seria mortal para uma plateia disforme como a do jornal. São pretensiosas. Se não há mais carruagem nas ruas, perderam o sentido todas aquelas anáguas e almofadinhas amarfanhando o texto com o ruído de seus panos. O ideal da boa viagem agora é manter o estilo, caprichar no texto criativo, mas tirar todos os sinais de engarrafamento entre as palavras. Deixar o caminho livre para que elas transitem suaves e VLT até a suprema delícia de se entregarem ao abraço carinhoso e contundente de um único ponto final.    


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