O Jornal do
Brasil nos tempos do colunista Zózimo Barrozo do Amaral
JOAQUIM
FERREIRA DOS SANTOS
*Conteúdo exclusivo do site da Revista Piauí
Ninguém sabe o autor da frase, mas,
apesar do conteúdo chulo, ela apresentava boa elaboração redacional e só pode
ter sido criada por um jornalista. Tinha objetividade, uma urgência no pedido
da informação. A frase circulava com desenvoltura pela redação do Jornal do Brasil e de tanto ser usada já não
queria dizer exatamente o que lhe era explícito no texto. Era um cumprimento
entre os da classe. Tinha se transformado numa saudação mais brincalhona do que
sacana. Um de seus usuários empolgados era o colunista social Zózimo Barrozo do
Amaral. Ele chegava a uma roda e, como se quisesse dar o tom para a conversa,
que em seguida só poderia ser eivada de brincadeiras, repetia o bordão que era
comum a seus companheiros de redação: “Come-se alguém por seu intermédio?” Um
dia, ao cumprimentar um contínuo com o bordão, ouviu dele a sincera afirmativa:
“A minha irmã.” Era sério. A moça, informou o rapaz, fazia programas pagos.
A redação carioca do JB, na avenida Brasil, 500,
era um imenso salão de cerca de 300 metros de comprimento. Foi a última redação
romântica, do tipo em que, num trote clássico, mandava-se o estagiário descer à
oficina para pegar a calandra (um cilindro pesadíssimo, que, naturalmente, não
era para ser pego). A repórter Norma Couri está entre suas delicadas e
derradeiras “vítimas”. De vez em quando estourava uma guerra de bolinhas feita
com laudas – as folhas de papel barato, de trinta linhas e 72 toques cada uma,
onde se escreviam os textos, batidos à máquina. Elas vinham com espaço no alto
para as marcações dos diagramadores, seres munidos de borrachas, lápis e
réguas, arma que eles usavam para medir ou, batendo com força na mesa, quebrar
a concentração de quem escrevia. O clima era de gandaia criativa e compreensão
sobre o que fosse a função do jornalismo. Quando o secretário de Segurança
tentou impedir que o repórter Romildo Guerrante cobrisse a área de trânsito no
Rio de Janeiro, Carlos Lemos, chefe da reportagem, disse a Guerrante que
continuasse suas funções e desconhecesse as ameaças: “Quando o secretário de
Segurança mandar aqui, pego meu chapéu.”
Havia heroísmo e sensação de que se cumpria missão
de cidadania num clima de camaradagem. Nos anos 80, por exemplo, o repórter
Luarlindo Ernesto passou uma temporada dormindo ali porque estava brigado com a
mulher. Gozava-se algum companheiro dizendo ser ele “um notório atrasador de
jornal”. As máquinas de escrever eram de teclas escuras. Por causa delas
evitava-se a expressão “escrever”. Muito pedante. Falava-se “machucar as
pretinhas”. Os textos eram produzidos com cópias em carbono: uma folha ia para
o editor, a outra ficava com o repórter. Os telefones das fontes eram anotados
num fichário coletivo consultado o tempo todo por todos, o “Seboso”, tão
merecedor do nome que um dia amanheceu com um aviso zombeteiro: “Interditado
pela Saúde Pública.”
–
Trecho de Enquanto Houver
Champanhe, Há Esperança: Uma Biografia de Zózimo Barrozo do Amaral, a ser
lançada em novembro de 2016 pela editora Intrínseca.
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