PARQUE DE DIVERSÕES (Revista Piauí edição 121, outubro de 2016)

Jornal do Brasil nos tempos do colunista Zózimo Barrozo do Amaral

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
*Conteúdo exclusivo do site da Revista Piauí


Ninguém sabe o autor da frase, mas, apesar do conteúdo chulo, ela apresentava boa elaboração redacional e só pode ter sido criada por um jornalista. Tinha objetividade, uma urgência no pedido da informação. A frase circulava com desenvoltura pela redação do Jornal do Brasil e de tanto ser usada já não queria dizer exatamente o que lhe era explícito no texto. Era um cumprimento entre os da classe. Tinha se transformado numa saudação mais brincalhona do que sacana. Um de seus usuários empolgados era o colunista social Zózimo Barrozo do Amaral. Ele chegava a uma roda e, como se quisesse dar o tom para a conversa, que em seguida só poderia ser eivada de brincadeiras, repetia o bordão que era comum a seus companheiros de redação: “Come-se alguém por seu intermédio?” Um dia, ao cumprimentar um contínuo com o bordão, ouviu dele a sincera afirmativa: “A minha irmã.” Era sério. A moça, informou o rapaz, fazia programas pagos.
A redação carioca do JB, na avenida Brasil, 500, era um imenso salão de cerca de 300 metros de comprimento. Foi a última redação romântica, do tipo em que, num trote clássico, mandava-se o estagiário descer à oficina para pegar a calandra (um cilindro pesadíssimo, que, naturalmente, não era para ser pego). A repórter Norma Couri está entre suas delicadas e derradeiras “vítimas”. De vez em quando estourava uma guerra de bolinhas feita com laudas – as folhas de papel barato, de trinta linhas e 72 toques cada uma, onde se escreviam os textos, batidos à máquina. Elas vinham com espaço no alto para as marcações dos diagramadores, seres munidos de borrachas, lápis e réguas, arma que eles usavam para medir ou, batendo com força na mesa, quebrar a concentração de quem escrevia. O clima era de gandaia criativa e compreensão sobre o que fosse a função do jornalismo. Quando o secretário de Segurança tentou impedir que o repórter Romildo Guerrante cobrisse a área de trânsito no Rio de Janeiro, Carlos Lemos, chefe da reportagem, disse a Guerrante que continuasse suas funções e desconhecesse as ameaças: “Quando o secretário de Segurança mandar aqui, pego meu chapéu.”
Havia heroísmo e sensação de que se cumpria missão de cidadania num clima de camaradagem. Nos anos 80, por exemplo, o repórter Luarlindo Ernesto passou uma temporada dormindo ali porque estava brigado com a mulher. Gozava-se algum companheiro dizendo ser ele “um notório atrasador de jornal”. As máquinas de escrever eram de teclas escuras. Por causa delas evitava-se a expressão “escrever”. Muito pedante. Falava-se “machucar as pretinhas”. Os textos eram produzidos com cópias em carbono: uma folha ia para o editor, a outra ficava com o repórter. Os telefones das fontes eram anotados num fichário coletivo consultado o tempo todo por todos, o “Seboso”, tão merecedor do nome que um dia amanheceu com um aviso zombeteiro: “Interditado pela Saúde Pública.”
Trecho de Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança: Uma Biografia de Zózimo Barrozo do Amaral, a ser lançada em novembro de 2016 pela editora Intrínseca.

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