Bial me fez a pergunta de US$ 1 milhão (26/08/2018)

Pedi que a Globo fizesse em mim a mesma trucagem que congelou a família da novela

Quando Pedro Bial me fez a pergunta de US$ 1 milhão, eu pedi nas internas que a tecnologia da Globo entrasse em ação. Fizesse em mim a mesma trucagem que congelou a família Sabino Machado por 132 anos e só agora, de segunda à sexta, às 19h30m, está deixando que ela volte a si, na novela “O tempo não para”. Eu também precisava de tempo. Bial queria saber o futuro do jornalismo.

A pergunta cabia. Tinha atualidade evidente, parecida com a do iceberg que se aproximava e faria naufragar no mar gelado o navio dos Sabino Machado. Não dá para desconhecer realidade tão apavorante. A pergunta está num “Conversa com Bial” que vai ao ar esta semana. No programa, o apresentador exibe sua entrevista com o jornalista Gay Talese, feita em Nova York. Eu e Daniela Pinheiro comentamos no estúdio.

A gravação foi horas após a morte de Otavio Frias Filho, da “Folha de S.Paulo”. Em meio às dificuldades da profissão, num mundo invadido pela urgência digital, o desaparecimento de um diretor de redação complicava ainda mais a resposta. Quem tocará o barco do jornalismo? Quais os mares a serem percorridos? Com que tripulação? Almirantes? Grumetes?

Pode ser que, quando for ao ar, minha resposta soe com ingenuidade próxima à da família congelada, que reage com “cáspite” e “omessa” diante da realidade extravagante onde foi jogada. Dei de ombros. Fiz muxoxo. Gay Talese apareceu na imprensa americana nos anos 1950. A sensação era de que, com a novidade da TV, o jornalismo impresso naufragaria no enfrentamento daquela pedra de gelo feita de imagens. Em 2018, os bons números de circulação do “New York Times”, onde Talese trabalhava, mostram que não foi bem assim.

Talese e sua turma — Tom Wolfe, Hunter Thompson, Joel Silveira, a geração da revista “Realidade”, da revista “Bondinho”, da revista “Piauí” — reescreveram a reportagem. Demoliram o lead, a pirâmide invertida. Deram um sacode na estrutura tradicional de se contar uma história e deixaram a viga comum à profissão, a narrativa dos fatos reais, com um charme novo. A TV tem suas manhas, o digital é instantâneo — mas não contam tudo.

Foi aí que eu olhei para o Bial — ele me olhou de volta com um espanto benigno — e foi aí que eu disse sim. Eu sou um otimista. O jornalismo tem jogo. Não é só a família Sabino Machado que, rediviva do congelamento secular, se mostra deveras estupefata com o mundo à frente. Nós também. Uma adolescente do clã, diante da novidade da caneta esferográfica, quase desmaiou. O jornalista não pode fazer o mesmo quando chega numa roda noturna, onde outrora brilhava contando as novidades do dia, e percebe que todos já sabem as histórias da edição de amanhã.

Eu disse para o Bial, mesmo desconfiado que ele soubesse melhor do que eu — a saída era apostar na qualidade. Continuar a saga de Talese e tantos outros que, a cada geração, reinventam o jornalismo. Foram-se os anéis das manchetes, das hardnews, talvez da edição diária, joias perdidas para a rapidez digital. Ficaram os dedos. Na ponta deles é preciso reinstalar a criatividade para contar outras histórias com outras formas e com outras palavras. O navio da imprensa tem mares a percorrer. O que não dá mais é fazer para amanhã o jornal que até a família Sabino Machado, antes de ser congelada, já estava cansada de conhecer.

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