Ela, sim — meu personagem da semana (30/09/2018)

Voz de Gal Costa recoloca as mães no altar de delicadeza e consagração da pátria feminina

O meu personagem da semana é a mulher. Entre outros motivos porque Gal Costa lançou um disco em que mais uma vez se move por vários gêneros da música. Ela tanto mete o pé na pista da disco music como, duas faixas depois, faz queixa amorosa ao lado de outra cantora das multidões, a rainha da sofrência Marília Mendonça. Zero de preconceito. Num outro dueto, com a abelha rainha Maria Bethânia, Gal canta suave a saudade das mães que se foram. Pode parecer cantochão baiano, mas virou política. São as mesmas mães, até anteontem santas fora do templo, o avental todo sujo de ovo, que andam sofrendo ataques na gritaria eleitoral. A voz de Gal Costa, fruta gogoia no desfrute libertário de seus 73 anos, recoloca as mães no altar de delicadeza e consagração da pátria feminina.

Não há outro assunto, e as ruas do fim de semana confirmam, só a mulher e sua maneira de educar o mundo pela beleza e os bons exemplos. Sim, a mulher, e para continuar falando de santas, diga-se que no domingo próximo, dia da eleição mais diabólica da República, é dia de Nossa Senhora do Rosário, aquela que em sua oração promete aos fiéis a vitória em todas as lutas da vida.

Sim, a mulher, porque, para continuar falando de cantoras, essas guerreiras em eterna luta pela vitória sobre a insistência do horror, é preciso que se dê um salve e “não desista, querida” para Priscila Tossan. Ela foi a surpresa do “The Voice Brasil 2018”, encerrado semana passada. Finalmente o programa apresentava uma intérprete dedicada ao culto, tão brasileiro, de cantar como se sussurrasse um acalanto ao pé do ouvido de alguém muito amado.

Priscila Tossan perdeu a competição, num novo sinal — que só os muito ingênuos podem desprezar como supérfluo — da tragédia nacional. O vencedor foi mais uma vez um cantor sintonizado naquele volume antigo de botar os bofes pra fora e invocar a autoridade da voz macha. No Brasil de 2018 falar alto e grosso virou manifestação de patriotismo e honradez, uma métrica de correção moral. Priscila Tossan, cantando baixinho, é mais uma vítima sensível dessa grosseria generalizada, quando todo mundo quer ganhar no grito e no dó maior. A política tradicional, feita para civilizar, amplia a alaúza. Vige a Constituição do meu gogó é mais, e torturem-se todas as disposições em contrário.

No futebol, por exemplo. A jogadora Marta, que nunca foi expulsa de campo, elegeu-se de novo a melhor do mundo. O macho pátrio, outrora o jogador mais fino, elegante e vitorioso do planeta, virou referência apenas de um moleque amuado. Passa o jogo batendo boca, peitando-se ao outro como galo na rinha. No campeonato brasileiro, o exemplo mais grosseiro é o palmeirense Felipe Melo. Ele está sempre disposto a deixar as regras de lado e, com os louvores da Bíblia no calção, meter o revólver, digo, a chuteira, no peito do adversário que ouse desacatá-lo com a ofensa de um drible. Arte, no campo ou fora dele, virou ofensa pessoal — e urge o dia em que Marta, técnica da seleção, ensinará a todos a educação pela bola.

E por tudo isso posto, porque sem os princípios da beleza e da civilização não há segundo turno que resolva o problema, eis a mulher, o meu personagem desta semana. Tudo indica, e assim seja, das próximas também.

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