Saiba como odiar e entrar na moda (23/09/2018)

Saber odiar é a moda da estação. Quem pratica o ódio irrestrito de 2018 tira de si o pejo maldito de ser chamado ‘isentão’

Fique in. É preciso saber odiar, crispar os nervos de uma tal maneira execrável que isso se incorpore ao seu estilo de vida. É a moda da estação. Só o ódio profundo veste o cidadão com o novo preto e deixa que ele trafegue, odioso e odiento, pelas ciclovias digitais, pelas festas e onde mais se fizer necessário este exercício, hoje tão social, de querer mal ao próximo. Meta o pau. Não se faça de ingênuo em procurar relevâncias no currículo de quem quer que seja. Todos umas bestas quadradas.

Quem pratica o ódio irrestrito de 2018 tira de si o pejo maldito de ser chamado “isentão”. Use todos os perdigotos de sua ira para deixar claro. Você está contra. Sua posição é do lado de lá. Quando alguém na roda disparar o primeiro “Ele não”, dobre a aposta com uma gargalhada de escárnio. Vocifere o mais desagradável “Ele também não” que lhe puder sair da garganta. Radicalize o processo. Fale mal de todo mundo. À esquerda ou à direita, só considere as falhas. Bando de pulhas. Não deixe de destilar o veneno de seu ódio sincero sobre os nomes da cédula eleitoral, sobre os santos canonizados no Vaticano. Amar destrói, mas leva tempo. Odiar é rápido.

Não pisque benigno, não abra parêntese de índole benemérita para livrar a cara de qualquer honradez. Aqui não, violão! Risque a controvérsia, a possibilidade de achar mérito num personagem do momento. Repita veemente: ninguém presta. Fuja do ódio tipo conservador, aquele que escolhe uma cor para odiar. É coisa de gente ultrapassada. Odeie na vanguarda do sentimento, sem distinção de credo. Odeie geral. Todos merecem o mesmo tijolo na testa que Noel Rosa dedicou àquela que o abandonou. Cite o samba, sem elogiar o sambista. Depois a conversa vai bater no Chico Buarque. Faça o mesmo. Jogue pedra nessa Geni e aproveite para confirmar a onda que circulou na internet. O cara comprava sambas de um tal Ahmed.

O ódio é o novo must have. Veste bem. Já foi o fino calçar a sola vermelha do Christian Louboutin. Hoje, para não destoar do resto do salão, é necessário exibir a felicidade de vituperar contra a unanimidade da vez. Vista o seu palavreado mais pestilento, deguste os maus sentimentos com um fiozinho de azeite cáustico. Pulse maligno. Desanque, despreze, desdenhe. Sal a gosto. Em caso de permanecerem os sintomas não há necessidade de consultar o médico. Aumente a dose de veneno, aumente o volume de sua exasperação contra o vilão escolhido. Não esqueça de ofender quem lhe fez bem, quem ontem lhe pagou a conta do bar. Corja de canalhas!

É importante, nesta etiqueta do comportamento 2018, que se exiba um ódio absolutamente sem preconceito. Quanto maior o campo alcançado, quanto mais ele for percebido sem pruridos de idiossincrasia ideológica — simplesmente o ódio pelo ódio, sem matiz político ou viés eleitoral — aí será a consagração de um estilo realmente de vanguarda. Será a pepita sublime do ódio em estado bruto, esta moda que, parece, chegará ao verão. Que cada um use como lhe aprouver, entre os drinques e potins dos salões, a nova onda radical chique. Observe apenas os riscos de uma ligeira contraindicação. Odiar pode dar relevância ao odiado e, cá entre nós, poucos merecem tamanha consideração. Por isso, pensando melhor, odeie menos.

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