Crônica publicada em O Globo no dia 28/12/2019
Eram mulheres lindas, Maitê Proença, Claudia
Raia, Denise Dumont, Leila Diniz, Ana Paula Arósio, mas depois de fotografadas
por Antonio Guerreiro elas subiam para um outro degrau estético.
Transformavam-se em deusas deslumbrantes.
Sonia Braga, por exemplo, tinha na vida real
apenas 1m58cm. Quem acredita nisso ao ver a sua foto no cartaz de "A dama
do Lotação", um dos grandes quadros clássicos da sensualidade brasileira?
Retratada por Guerreiro dentro de um vestido vermelho, com as alças arreadas, a
mão segurando o seio direito, ela enfrentava a câmera com um olhar de
superioridade sexual que parecia não caber nas fitas métricas clássicas.
Antônio Guerreiro, que morreu neste sábado, no
Rio de Janeiro, aos 72 anos, tinha técnica, bom gosto, acendia todos os dias
uma vela perfumada em louvor a Richard Avedon e Irving Penn, seus ídolos. Acima
de tudo gostava das mulheres. Suas lentes e luzes eram dedicadas à exaltação
delas, como se verificaria na edição seguinte das revistas Setenta, Playboy,
Manchete, Fairplay, Around, A/Z, Vogue, Status e dezenas de publicações
nacionais.
A mais fina seleção da incrível geração de
brasileiras entre as décadas de 1970 e 1990 foi eternizada nos seus estúdios de
Ipanema e mais tarde no Catete. Nem sempre foi fácil. Na ditadura, os nus
poderiam mostrar apenas um dos seios. Os glúteos também não podiam ultrapassar
este limite de decoro.
Guerreiro trabalhava com música ao fundo, de
preferência o jazz sensual de John Coltrane em "Ballads". Servia
uísque. Com a modelo nua - e ela sempre terminava assim, podia ser ainda Luiza
Brunet, Marcia Porto, Luma de Oliveira, Isadora Ribeiro ou Marina Montini -,
disparava a Nikon. Dizia delicadezas para que a moça, ainda presa a alguma
barreira inibitória, acabasse de se despir:
"Você está linda, querida, se
entrega, relaxa."
Filho de portugueses, nascido em Madri,
interrompeu o curso de Economia para fotografar a coluna de Daniel Más, no
Correio da Manhã no final dos anos 1960. Se as modelos eram lindas, Guerreiro era
um dos mais belos representantes do time masculino no período. Tinha um tipo
cigano, selvagem, cabelos longos e pelos fartos que a camisa sempre entreaberta
deixava exibir no peito. Instalava no estúdio - em parte para que a modelo se
transformasse num alumbramento ainda mais irresistível - um ambiente de
sedução. Nada a ver com a onda de assédio sexual que hoje vitima seus colegas
internacionais. Guerreiro é que talvez pudesse reclamar. Um dia, por exemplo,
ainda casado com Sonia Braga, passou por ele a atriz Sandra Brea num intervalo
dos cliques. Nua, ela foi-lhe graciosamente assediadora no sussurro ao ouvido:
"Quando você se livrar da baixinha,
invado teu barraco" - e de fato foi o que aconteceu.
Antonio Guerreiro deixa um acervo de cerca de
500 mil cliques, uma galeria com a mais bela coleção de retratos das grandes
musas nacionais, a maioria dirigindo um olhar de suave sensualidade para a
câmera cúmplice. No mesmo pacote está uma multidão de senhores e senhoras
poderosos, grandes personalidades brasileiras do final do século passado. Todos
certos de que ficariam bem na foto.
A última exposição de Guerreiro foi em 2017, no Bar Lagoa. Ele
estava preparando para 2020 uma exposição em dupla com Luiz Garrido, seu
companheiro de geração. Em 2015, realizou na Galeria da Gávea a mais completa
de suas mostras. O título era um precioso acerto de foco - "O homem que
amava as mulheres".
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