Papa sabe das coisas: só humor salva 2020


Crônica publicada em O Globo em 
Por Joaquim Ferreira dos Santos  



Perdoa, São Thomas More, os que atiraram coquetel molotov na casa onde o Jesus gay comemorou seus 30 anos, e mais ainda perdoa os que disseram "que se explodam no fogo do inferno esses canalhas pervertidos". Eles não sabem rir.
 Perdoa, São Thomas More, a todos que desconhecem tua oração ao bom humor, aquela em que você pede a Deus a graça divina de compreender uma piada, uma brincadeira, e assim levar um pouco de felicidade como presente aos cristãos.
 O mundo anda zangado, meu bom santo e filósofo inglês. Eu tenho visto os "homens de bem" do meu país vestindo uma camiseta onde está escrito "Deus acima de todos", e de tanto observar esses energúmenos eu já percebia - mau humor não é sinal de santidade. Tenho certeza, Deus não é bobo, que de vez em quando Ele gostaria de se dar ao desfrute de ficar por baixo também.
 Me perdoa, São Thomas More, porque eu também ignorava tua oração em prol de "uma alma afastada do tédio e do resmungo", embora não me tenha faltado desde a pia batismal o pão nosso da boa gargalhada cristã. Os anjos voam porque têm a alma leve. Não encucam. Sem essa de levar a vida pregado na cruz dos pecados, acorrentado aos desejos não realizados, como se um espírito santo sobrevoasse a todos como um drone de maus bofes.
 A sua oração ao senso de humor pede que a graça divina afaste os suspiros melancólicos, as caras fechadas, e é uma pena ser tão pouco divulgada, não servir de letra a um funk 150 BPM do Kevin o Chris. Os integralistas, que estão chegando, talvez virassem alquimistas, inventassem a fórmula da felicidade. A tristeza dos radicais da fé, esses idiotas que só riem quando o circo pega fogo, assombraria menos o horizonte de 2020.
 A sua oração, São Thomas More, só me veio aos olhos e ouvidos agora neste final de ano, justo depois de eu ter assistido genuflexo a "Dois Papas", de Fernando Meirelles. É basicamente o roteiro, muito bem filmado, das conversas entre o Papa Bento XVI e aquele que o sucederia com o título de Papa Francisco. O primeiro acredita num Deus terrível. O segundo, sem papas na língua, aposta num que comungue alegria, saiba dançar tango - e, em pleno Vaticano, ensina a coreografia ao representante Dele na Terra.
 Em certo momento, diante da TV que passa a final da Copa do Mundo no Brasil, o alemão, conservador, e o argentino, progressista, regam suas divergências com muitos copos de cerveja. Sabiam que para mais adiante há a promessa de eternidade celeste, mas por aqui a vida é breve - e a cerva esquenta rápido. Tomaram várias, gracejaram todas. "Se Deus fosse mesmo brasileiro a seleção não tinha levado de sete", teria dito um deles - mas a fala foi cortada na edição.
 Como se vê, meu querido São Thomas More, o Papa Francisco é um propagador da tua oração de bom humor. Num mundo onde o ódio é o novo diabo, ele trata o sorriso como a hóstia consagrada em meio ao pegapracapá do cotidiano. A piada cura, põe cada um de nós no seu tamanho real. "Não permita que eu me preocupe demasiadamente com esta coisa embaraçosa que eu sou", diz a tua poesia.
 Nas redes sociais, Francisco tem aparecido num filmete, o cartão de boas festas moderno. Recita como se estivesse num stand up litúrgico o trecho desta oração em que você, sábio São Thomas More, antes de pedir uma alma santa, pede "uma boa digestão" e, antes dela ainda, "algo bom para digerir". Como se desse o tom para um feliz 2020, Francisco em seguida cai pândego numa bem humorada gargalhada papal. Que ela a todos nós contamine.




Comentários